Pentecostes nos recorda sempre de novo que o agente principal da vida a Igreja é o Espírito Santo: Ele é que renova a face da terra e faz surgir o novo onde tudo parecia velho e já sem vitalidade. Ele é o guia silencioso que, de maneira suave e segura, vai orientando as pessoas e o mundo nos caminhos de Deus.
Na Vigília de Pentecostes foi lido o texto do Gênesis sobre a “torre de Babel” (Gn 11,1-9). Geralmente, uma interpretação rápida leva a afirmar que esta passagem bíblica tenta explicar a origem da multiplicidade de povos e línguas existentes; a leitura rápida, porém, pode levar a passar por cima de significados preciosos do texto. De fato, ali está retratada uma grande tentação da humanidade: a de construir a própria vida sem levar em conta o desígnio de Deus.
Os habitantes da planície de Senaar querem edificar uma cidade e uma torre alta, tão alta, a ponto de tocar o céu. A cidade é o sonho da convivência em segurança e felicidade; a torre devia ser a referência para manter unida a comunidade humana. Trata-se, de fato, da substituição de Deus, como referência; e a cidade, no caso, representa o projeto humano que se constrói sobre a base da soberba, da auto-suficiência e da vaidade: “ficaremos famosos!”. É a mesma tentação da Adão no paraíso: “Sereis como deuses!” Para que ainda precisamos de Deus? Cada um pode ser o deus de si mesmo!
No entanto, ao autor do texto não escapou esta observação: “usaram tijolos em vez de pedra e betume em lugar de argamassa”. Não é material que preste para uma obra que deva durar… De fato, o projeto de Babel faliu; seus construtores não se entenderam mais e, na confusão geral, cada um foi para seu canto, dispersando-se. Conseguiram o contrário do que queriam. Tentação antiga e sempre atual! A soberba humana, a vaidade e o não reconhecimento de Deus levam sempre de novo a querer edificar Babel, mas não dá certo. Projeto humano que não leva em conta o desígnio de Deus é fadado à confusão, à ruína e ao desaparecimento. E deixa atrás de si um rastro de consequências danosas.
E aí vem a pergunta: Qual é mesmo o projeto de Deus para a humanidade? Para a nossa vida pessoal? Como podemos conhecê-lo? O certo é que Deus não oculta seus planos ao homem e quem, sinceramente, deseja conhecê-los, pode. Em toda a história da salvação e da revelação divina aparece claro que Deus Criador quer ser como um pai para a humanidade e reunir em torno de si os filhos todos, como numa grande família de irmãos; Jesus o deu a entender muitas vezes; basta lembrar a parábola do bom pastor, onde diz que ele próprio veio para congregar e conduzir as ovelhas de Deus, que estão dispersas. Antes de narrar a paixão e morte de Jesus, o evangelista S.João fala da oração de despedida, na qual Jesus pede de maneira insistente que seus discípulos permaneçam unidos em seu nome, assim estarão unidos em Deus também.
Não faltam apelos de S.Paulo para que suas comunidades superem todas as discórdias e divisões e os cristãos vivam unidos entre si, como membros de um único corpo; cabeça desse corpo é o próprio Cristo, que passa sua vida e seu Espírito a todos os membros: “uma só fé, um só batismo, uma só esperança, um só Deus e Pai de todos”… Finalmente, na conclusão da Bíblia, o Apocalipse apresenta a visão da comunidade dos eleitos na “casa do Pai”, na nova Jerusalém, depois de terem permanecido unidos ao torno do “cordeiro imolado”, o Cristo Salvador.
Sinais do projeto de Babel são a divisão, a exclusão do bem comum, a busca obsessiva das vantagens e das vaidades pessoais… Babel usa até a religião para justificar seus projetos de poder e idolatria do dinheiro. Tudo o contrário do desígnio de Deus sobre a humanidade, que é a fraternidade e a solidariedade entre todos os seus filhos e filhas, o respeito recíproco e a mesma linguagem do amor e da dignidade reconhecida. O projeto de Deus é vida e esperança para todos, sem exclusão nem discriminação.
Pentecostes é missão constante para a superação de Babel. O Espírito Santo conduz a humanidade à fé e ao reconhecimento do Deus verdadeiro e à compreensão do seu desígnio de amor e salvação; o Espírito de Cristo é mestre sábio e conhece bem os segredos de Deus e o que é bom para o ser humano e para este mundo. Por isso, acolher o Espírito Santo e ser dóceis a ele é garantia de acerto na edificação da vida pessoal e da convivência social. “Ele vos ensinará todas as coisas”, disse Jesus. O Espírito Santo nos faz conhecer o Evangelho de Cristo, caminho que leva à vida plena. E nos ajuda a edificar nossa casa com material bom e durável, não tijolo que se esmigalha com o passar do tempo; sobre os pilares consistentes da fé, esperança e caridade, que são as marcas da vida dos discípulos de Cristo.
O povo reunido em Jerusalém na ocasião de Pentecostes, depois que ouviu Pedro e os apóstolos falando das maravilhas de Deus, partiu para seus países e cidades, anunciando o que cada um tinha visto e ouvido… Assim ainda hoje o Espírito Santo nos envia em missão, para o meio de nossos ambientes de vida e trabalho, com a missão de anunciarmos o desígnio de Deus por palavras e pelo modo de vida que nos sugere: Não o de Babel, mas do Evangelho de Cristo.
Artigo publicado em O SÃO PAULO, ed, de 2.06.2009