Nas celebrações litúrgicas da Igreja entramos, agora, no tempo comum. No Advento e no Natal celebramos os Mistérios da vinda do Filho de Deus ao mundo, na nossa carne, e da infância de Jesus; na Quaresma e no tempo pascal tivemos as atenções voltadas para a celebração dos Mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus; em Pentecostes, vivemos na Liturgia o envio do Espírito Santo sobre os apóstolos e a Igreja, para que ela fosse capaz de cumprir a missão recebida de Jesus.
Falo de “Mistérios”, pois assim a Igreja gosta de chamar as realidades sublimes e infinitamente ricas de significado que ela celebra na Liturgia ao longo do ano; não são realidades incompreensíveis, mas são maiores do que nós; delas nunca falaremos tudo nem o bastante. Ao longo do ano litúrgico somos introduzidos, passo a passo, nos Mistérios da nossa salvação, obras e realidades de Deus, nas quais, pela nossa fé e na celebração litúrgica, nós também participamos e somos beneficiados.
No domingo passado, dia 7 de junho, a Igreja colocou-se, extasiada e numa grande contemplação, diante do Mistério do nosso Deus. Quem é o Deus em quem nós cremos e ao qual atribuímos as maravilhas da criação e da redenção? Como a Igreja explicitou sua fé no Deus único, que não cessa de dar vida e sustento às suas criaturas e, ao mesmo tempo, nos chama a viver para sempre em sua companhia? Muito poderia ser dito sobre este assunto e não posso deixar de recomendar, a esse respeito, a leitura do Catecismo da Igreja Católica, na primeira parte sobre nosso “Creio” (parágrafos 199 a 327).
De fato, não basta ter uma idéia genérica de Deus, nem ficar com um simples “eu acho”… Os cristãos são convidados a se colocarem diante do Mistério Santo, assim como Ele se manifestou ao mundo. Sem dúvida, todos podem “achar” algo sobre Deus, mas os cristãos têm uma maneira muito própria de falar de Deus, transmitida pela Igreja, conforme ela mesma aprendeu de Jesus e dos apóstolos. De um “eu acho”, nós passamos a um “eu creio”; e não o fazemos apenas de maneira individual, mas junto com a inteira comunidade de fé, aquela que vive agora e aquela que já nos precedeu na mesma profissão de fé. Como nós cremos em Deus, assim também creram os apóstolos, os grandes mestres e doutores da transmissão da fé, os santos e os mártires, os grandes místicos e pregadores, os missionários e os pastores da Igreja. Cremos com o nosso pároco, com nosso bispo e com o papa. Não estamos sozinhos, mas em boa companhia!
O Mistério do nosso Deus é por nós conhecido como Pai, Filho e Espírito Santo; é a Trindade Santíssima, um único Deus, mas em três pessoas distintas; a mesma natureza e dignidade divinas, mas com ações diferentes, realizadas na criação e na obra da salvação. Não cremos em três deuses, mas num único Deus; assim Ele se manifestou e assim aprendemos, especialmente de Jesus. São João, no prólogo do 4° Evangelho, observa bem: “ninguém jamais viu a Deus”, a não ser o Filho único de Deus, que veio de junto de Deus para o nosso meio: “Ele nô-lo deu a conhecer” (cf Jo 1, 18). De fato, é o Filho de Deus que nos revelou Deus, verdadeiramente; e também nos disse como Deus age em relação a nós, o que deseja de nós e para nosso futuro.
Na celebração da Santíssima Trindade, a Liturgia da Igreja condensa em algumas expressões preciosas a sua fé em Deus; destaco algumas qualidades essenciais de Deus, que aparecem nas leituras da S.Escritura desse Domingo. Nosso Deus manifestou-se, não permaneceu inatingível ao homem; agiu e age, de muitas maneiras, portanto, não é um Deus “imóvel” e inoperante; é um Deus que vem em socorro do homem e não permanece indiferente diante dos seus sofrimentos e angústias; ´não é também um Deus mecânico, quase como uma máquina que age automaticamente, mas tem coração e ama, é vivo e faz viver, comunicando dinamismo e vida às suas criaturas; é um Deus presente e manifesta seus caminhos e seu desígnio ao homem, não abandonando a criatura à própria sorte.
Tudo isso lemos na 1ª. leitura, do livro do Deuteronômio (4, 32-40), e faz o autor exclamar: quem jamais viu algo assim? Quem podia imaginar um Deus tão grande e poderoso que, ao mesmo tempo, está tão próximo de nós?! E faz também o povo de Deus exclamar: nada disso fazem os ídolos feitos pela mão do homem: têm boca mas não falam; têm olhos mas não vêem; têm ouvidos mas não ouvem… Não são deuses, são apenas obra do próprio homem!
Na segunda leitura, da Carta aos Romanos (8,14-17), São Paulo traz outros elementos preciosos para a compreensão cristã de Deus. A Trindade Santa nos envolve de carinho e nos faz viver relações familiares com Deus. O Filho de Deus veio ao mundo para irmão de cada ser humano, para fazer de nós filhos e filhas de Deus! “Filhos no Filho”, dirá ainda São Paulo. E recebemos o Espírito Santo, para termos desde agora a capacidade de viver como filhos de Deus; podemos, assim, chamar Deus de “abbá” – papai! E somos também destinados a sermos herdeiros de Deus, co-herdeiros com Cristo, “na casa do Pai”. Nossa fé em Deus, portanto, vai bem além de algumas idéias genéricas. E como é bonita e envolvente! Bendito seja Deus, Pai, Filho e Espírito Santo!
Artigo publicado em O SÃO PAULO, ed, de 09.06.2009