O Brasil que os brasileiros querem

O Grito do Ipiranga, acontecido há 188 anos, despertou no coração dos brasileiros a sensação de liberdade e sentimentos patriotismo e ufanismo nacional. Afinal, deixar de ser colônia foi como passar da minoridade para a maioridade e começar a ser alguém no contexto das nações livres! Ainda agora, esses sentimentos se renovam nas comemorações do Dia da Pátria, embora com mais realismo. De fato, damo-nos conta de que resta muito por fazer para que os sonhos e aspirações mais elementares de muitos brasileiros se tornem realidade. É significativo que, nesta mesma data comemorativa, movimentos sociais e organizações pastorais da Igreja promovam o “Grito dos Excluídos”.

A dependência colonial do País prolonga-se em nossos dias, embora de formas mais sutis, camuflada na trama das relações econômicas, financeiras, comerciais e culturais; independência e autonomia permanecem sonhos distantes na vida real de muitos brasileiros, que vivem na miséria, ou em condições de grave precariedade social e econômica. E a vida política continua dominada por poderosos interesses de grupos, em vez de estar voltada para as necessidades da população mais dependente do Poder Público para a proteção de sua dignidade e a promoção de seus direitos essenciais. O povo precisa participar da política. O Grito do Ipiranga foi possível porque Dom Pedro contava com o respaldo e a pressão dos movimentos e lideranças políticas da época; hoje, para a afirmação do processo democrático, a população toda é chamada a participar e a dizer o que deseja para o Brasil.

As próximas eleições são uma ocasião importante para a participação consciente e responsável dos cidadãos nas decisões sobre os rumos do Brasil. Nesse sentido, os bispos católicos do Estado de São Paulo, em sua assembléia anual de junho passado, elaboraram uma série de orientações baseadas na Doutrina Social da Igreja. Votar bem é importante para o Brasil; deixando agora de fazer as escolhas certas, poderíamos estar colaborando para que o País seja governado mal, leis desajeitadas e até injustas sejam aprovadas, a riqueza nacional seja mal administrada, ou desviada de sua legítima destinação, e o sofrimento de muitos brasileiros se prolongue por mais tempo.

No sistema democrático, o poder político emana do povo e quem for eleito para governar ou fazer leis, precisa ter a consciência de que o mandato significa um serviço ao povo e ao País. Aos eleitores cabe verificar se os candidatos estão comprometidos com as grandes questões do País, que requerem ações decididas de governantes e legisladores, como a promoção de condições de vida digna para todos, a economia voltada para a criação de empregos e a melhor distribuição da renda para a superação da pobreza, educação de qualidade, saúde, moradia, saneamento básico, respeito à vida e a preservação do meio ambiente. No período que precede as eleições, os eleitores têm o direito de cobrar de partidos e candidatos posições claros sobre essas e outras questões importantes para o Brasil; e não apenas dos presidenciáveis, mas também dos pretendentes a uma cadeira no Legislativo, pois passam por este Poder da República as grandes decisões políticas.

Governar bem é usar com transparência os bens públicos; é governar para todos, e não apenas em benefício de grupos restritos, dispostos e organizados para se beneficiarem do Governo ou do Congresso para a proteção de seus interesses particulares. Político bom compromete-se com o bem comum, que se expressa na garantia da liberdade, da justiça e solidariedade social, segurança pública e cultura da paz, no  respeito pleno à dignidade da pessoa e seus fundamentais direitos, em especial, o direito inviolável à vida humana desde o seu início até à morte natural. Estes valores são irrenunciáveis para o bom convívio social e o desenvolvimento cultural de um povo.

As eleições oferecem a ocasião de escolher cidadãos dignos, de ficha limpa e capazes de governar e legislar com sabedoria e prudência. Dos eleitores, isso requer um esforço para conhecer os candidatos seus partidos, para não votar de maneira inconsequente. Alguém entregaria as chaves de sua casa ou a senha do cofre a um zelador desconhecido ou não-confiável? Mas será que a atual maneira de fazer a campanha eleitoral favorece a desejável aproximação dos candidatos em relação aos eleitores? Quem conhece o personagem que fala no rádio ou aparece na TV, prometendo fazer isso mais aquilo? Quantos conhecem os programas dos partidos, aos quais os mandatários ficam atrelados depois? Um aperfeiçoamento do sistema eleitoral se faz necessário, junto com uma boa reforma política.

Voto não deve ser vendido; seria corrupção eleitoral, a ser denunciada; uma vez comprovada, faria perder o mandato, conforme a lei 9840. Também não se dá o voto em troca de favores ou vantagens imediatas, pois ele é a expressão da liberdade e da dignidade de cada eleitor; e não se deve vender barato – nem caro – a própria dignidade! Voto é secreto e pessoal, mas não é assunto apenas privado, mas exercício de uma responsabilidade pública; não tem preço, mas tem consequências para a coletividade. Nas urnas, o eleitor deposita um “voto de confiança” nos candidatos e partidos. Por isso, é preciso examinar a história pessoal dos candidatos, suas idéias e as propostas defendidas por eles e seus partidos. Confiança é dada a quem a gente conhece.

Questões que também deveriam merecer a consideração dos eleitores são a família e a religião. Família é patrimônio da humanidade e um bem insubstituível para a pessoa. Por grandes que sejam os problemas que a instituição familiar enfrenta, continua sendo melhor ter família que não a ter. São comuns as cobranças à família: por não cuidar bem dos filhos, não os encaminhar para a escola, não lhes ensinar boas maneiras, por deixar que se percam nas drogas… Ou porque não prepara bons cidadãos, trabalhadores responsáveis. Mas quem cuida da família, ou a defende e lhe assegura as condições para bem cumprir suas atribuições? Certa cultura anti-familiar deveria merecer maior atenção política. A sociedade que descuida da família destrói suas próprias bases. Que projetos construtivos os candidatos e partidos têm para a família? Os eleitores podem contribuir para que o Poder Público promova o casamento e a família bem constituída, ou também para a dissolução cada vez maior dela. Também a religião pertence à identidade de um povo e não deve deixar de merecer a atenção a postura de partidos e candidatos sobre a liberdade religiosa e de consciência, o respeito pelas convicções, símbolos e instituições religiosas dos cidadãos e a livre manifestação de sua fé.

Publicado em O Estado de São Paulo, ed. de 11.09.2010