A decisão do papa Bento 16 que libera a utilização do latim nas missas, anunciada no dia 7 passado, por meio de “Motu próprio”, não “esvazia” a reforma litúrgica e “nem vai interessar à maioria dos católicos, que continuarão com a liturgia celebrada de acordo com a reforma do Vaticano 2º”, diz dom Odilo Scherer na seqüência da entrevista a O SÃO PAULO. Leia a seguir: (Padre Cido Pereira)
O SÃO PAULO – Antes de entrarmos no conteúdo dos documentos, como o senhor define um pronunciamento do papa chamado “Motu proprio”? Qual o peso que ele tem?
Dom Odilo Scherer – O papa escreve e publica diversos tipos de documentos. O “Motu proprio” [é] uma decisão que o papa tomou, por sua iniciativa ou por solicitação de algum organismo eclesial, e que tem força de lei.
O SÃO PAULO – Em que se diferencia um “Motu proprio” de uma carta apostólica ou encíclica?
Dom Odilo – A carta apostólica é uma comunicação relativamente breve sobre algum tema específico; a encíclica também é uma carta, mas tem um caráter mais solene e trata do ensinamento da Igreja sobre algum assunto de interesse geral, como as questões sociais ou éticas. Portanto, essas cartas do papa têm caráter teológico e pastoral, enquanto o “Motu proprio” tem caráter jurídico.
O SÃO PAULO – O que dizer do resgate do latim na celebração eucarística? Estaria o papa esvaziando a reforma litúrgica do Vaticano 2º?
Dom Odilo – O papa não quer invalidar nem esvaziar a reforma litúrgica do Concílio Vaticano 2º; ele mesmo diz claramente que o rito da missa da reforma litúrgica do concílio, promulgado por Paulo 6º, em 1970, permanece a forma comum – “ordinária” – para a celebração da Eucaristia. Mas agora acrescentou a possibilidade de celebrar, sob certas condições, também com o missal anterior, na edição de 1962, feita por João 23. Foi uma decisão pastoral de Bento 16, uma concessão a grupos e pessoas que não aceitaram a reforma litúrgica, ou não se sentiram bem com ela, para ajudá-los a caminharem com a Igreja. Isso deveria contribuir para a unidade da Igreja, e não penso que vá esvaziar a reforma litúrgica; nem vai interessar à maioria dos católicos, que continuarão com a liturgia celebrada de acordo com a reforma do Vaticano 2º.
O SÃO PAULO – A rejeição da reforma litúrgica não significa negar a autoridade do concílio?
Dom Odilo – Essa é uma questão importante. A concessão feita por Bento 16 supõe, justamente, que as pessoas e grupos desejosos de celebrar em latim, e de acordo com o ritual pré-conciliar, aceitem a validade da reforma litúrgica. Ninguém poderá negar a autoridade do concílio para tomar decisões competentes, em nome da Igreja. Alguém até poderá gostar mais desta ou daquela forma litúrgica, mas ninguém poderá dizer que a missa em latim e no rito antigo vale mais, ou que a missa no ritual renovado não vale, ou vale menos.
O SÃO PAULO – O uso do latim na missa passou a ser obrigatório?
Dom Odilo – Não é obrigatório, mas é apenas uma possibilidade a mais, quando o bem pastoral o requer. De fato, sempre se podia celebrar em latim, mesmo para a missa da reforma conciliar. Claro, supõe-se que o celebrante e os participantes entendam o latim. Mas ninguém vai ser obrigado a participar da missa em latim, em grego, ou em russo…
O SÃO PAULO – O senhor entende que essa decisão do papa pode levar à volta do latim na grade curricular de nossos seminários?
Dom Odilo – O estudo da língua latina nos seminários já existe e tem grande valor para a cultura geral; faz bem para aprender melhor nossa própria língua e também outras; para o estudo da teologia é até necessário. Daqui por diante, certamente, será necessário estudar um pouco mais de latim para atender às novas disposições sobre a liturgia. Mas nenhum padre será obrigado a celebrar missa em latim.
O SÃO PAULO – Depois da decisão do papa, a missa volta a ser celebrada em latim?
Dom Odilo – A questão não é celebrar em latim ou em português, mas celebrar com o missal de 1970, da reforma litúrgica do concílio, ou com aquele de 1962, anterior à reforma. Normalmente, continua a valer a reforma do Vaticano 2º. Mas, para celebrar em particular, os padres ficam livres para escolher; o povo pode pedir, se desejar, a missa segundo o ritual anterior, e em latim; pode haver uma igreja, com algum horário para a missa em latim.
Publicado em O SÃO PAULO, ed de 17/07/2007