Dom Odilo afirma que a Igreja Romana
“disse apenas como crê e o que ela pensa de si mesma, em base à sua história”
O documento “Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja”, publicado na terça-feira, dia 10, pela Congregação para a Doutrina da Fé, “não afirma que a Igreja Católica é a única Igreja de Jesus, mas, sim, que essa continua presente – ‘subsiste’– na Igreja Católica”, diz dom Odilo Scherer a O SÃO PAULO. O arcebispo de São Paulo diz que declarar que somente o catolicismo reúne todos os elementos da comunidade fundada por Cristo não é um fechamento para o diálogo com outras denominações cristãs. O ponto de partida do diálogo ecumênico é, antes de tudo, dizer sinceramente como se crê; a partir daí, é possível dialogar e tentar se aproximar mais e mais. A Igreja Católica disse apenas como crê e o que ela pensa de si mesma, em base à sua história”, declara. Leia a seguir:
O SÃO PAULO – Quanto à afirmação do papa de que a Igreja Católica seria a única igreja de Cristo, há alguma novidade
Dom Odilo Scherer – Antes de tudo, vamos falar o que é certo: não foi o papa quem falou, mas a Congregação para a Doutrina da fé, com a aprovação do papa. E não afirmou que a Igreja Católica é a única Igreja de Cristo, mas, sim, que essa continua presente – “subsiste”– na Igreja Católica. É diferente. De fato, trata-se de uma afirmação do Concílio Vaticano 2º e significa várias coisas: a) Jesus não fundou várias Igrejas, mas uma só; b) a Igreja fundada por Jesus nunca desapareceu, mas continuou existindo ao longo dos séculos; c) hoje, essa única Igreja de Jesus continua presente – “subsiste” – na Igreja Católica; d) também em outras comunidades cristãs não-católicas há elementos dessa verdadeira e única Igreja, embora de maneira incompleta; e) não se identifica, simplesmente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo com a Igreja Católica, mas se afirma que nela “subsiste” – continua presente – a verdadeira Igreja de Jesus.
O SÃO PAULO – Para ficar bem claro para o leitor, quais os sinais próprios da verdadeira Igreja de Jesus?
Dom Odilo – São vários: a fidelidade ao ensinamento de Jesus nos evangelhos; a integridade da fé transmitida pelos apóstolos; a sucessão apostólica não interrompida e a união com a comunidade reunida em torno dos sucessores dos apóstolos; a presença do ministério ordenado e dos sacramentos; a unidade com o ministério confiado por Jesus a São Pedro e, hoje, representado pelo papa.
O SÃO PAULO – Afirmar que somente a Igreja Católica tem a totalidade dos sinais que distinguem a Igreja de Jesus não é um fechamento para o diálogo ecumênico?
Dom Odilo – Não entendo assim. O ponto de partida do diálogo ecumênico é, antes de tudo, dizer sinceramente como se crê; a partir daí, é possível dialogar e tentar se aproximar mais e mais. A Igreja Católica disse apenas como crê e o que ela pensa de si mesma, em base à sua história. Ou deveria ela dizer ao contrário, que nela não está presente a verdadeira Igreja fundada por Jesus Cristo? Seria negar a própria fé e admitir que todos estamos no caminho errado. Dizer a própria convicção não deveria ser considerado ofensa a ninguém.
O SÃO PAULO – Afirmar que nosso Deus é o único Deus verdadeiro, que estamos com a única Igreja de Cristo, não leva ao risco de intolerância e de guerra religiosa?
Dom Odilo – Se não existe mais do que um só Deus, e se Jesus fundou uma única Igreja, então é bom conhecer isso. A afirmação da verdade não deve ser vista como desrespeito ao outro, mas, pelo contrário, como um caminho aberto também a ele. A verdade liberta. É claro, nunca se deve impor a verdade aos outros, pois isso seria intolerância e desrespeito à liberdade da pessoa. A verdade é luminosa e, como a luz, ela se impõe por si mesma.
O SÃO PAULO – Há igrejas cristãs que têm o sacerdócio e a Eucaristia, como as igrejas Ortodoxa e Anglicana. O que impede essas igrejas de serem também a Igreja de Jesus?
Dom Odilo – De fato, essas também têm parte na única Igreja de Jesus, mesmo se falta algum elemento, como a unidade efetiva com o sucessor de São Pedro.
O SÃO PAULO – Alguns líderes religiosos interpretaram a palavra da Congregação para a Doutrina da Fé como uma agressão, que dificultará mais ainda a fraterna convivência entre os cristãos. O senhor acredita que há esse risco?
Dom Odilo – Não acredito, embora possa haver alguma dificuldade passageira. É preciso afastar vários malentendidos e preconceitos espalhados por aí. Na verdade, não se disse nada de novo, pois essas coisas já foram ditas no Concílio Vaticano 2º e, novamente, no ano 2000. O diálogo ecumênico não pode ser feito escondendo a verdade e aquilo que cada um pensa; e não avança sem enfrentar algumas questões de fundo, como essa, sobre a Igreja.
O SÃO PAULO – Como o povo de Deus deve receber essas decisões, diante do bombardeio da imprensa que fala em conservadorismo, em volta ao passado, em intransigência e fechamento ao diálogo?
Dom Odilo – Não se assustar com os preconceitos e não acreditar em tudo o que se fala e escreve por aí; ficar firmes na fé e sofrer com a Igreja; acompanhar as questões com calma e objetividade; ler os documentos publicados pela Igreja no original e não se contentar com alguma manchete de jornal ou revista. Hoje está fácil encontrar e ler os textos – publicados na internet..
Publicado em O SÃO PAULO, Ed. de 17/07/2007