Há poucos dias, comemorando o feriado de Finados, recordamos as pessoas falecidas. Para muitos, foram momentos de saudades; para todos, um convite à reflexão. Dificilmente, nessa ocasião, deixam de manifestar-se em nós algumas perguntas inquietantes: que é a morte? É o fim de tudo? Haverá vida além da morte? Afinal, que é a vida?
Desde sempre, a morte é um dos grandes problemas para o homem, que não consegue superá-la, nem tampouco a aceita facilmente. A morte opera a ruptura radical com a vida, com as relações humanas e com os sonhos acalentados. Por isso a pergunta sobre a morte traz consigo também a questão não menos importante sobre o sentido da vida.
Sobre o significado do viver, muitas respostas foram elaboradas pela sabedoria humana, as culturas e as religiões, ao longo da história; normalmente, também cada pessoa tenta encontrar para si uma resposta a essas questões, que não interessam apenas aos outros, mas a cada um, pessoalmente.
Existir, viver e atuar na história deste mundo é um mistério maravilhoso, fascinante! O palpitar da vida, como um raio na escuridão, desperta, ilumina-se, faz-nos entrever as coisas ao nosso redor, interagir com elas e indagar sobre o seu significado; a vida de cada ser, mas de modo especial a nossa vida humana é uma façanha única e irrepetível! E assim também, de um momento para outro, apaga-se novamente, mergulha no silêncio e deixa de existir. Assim foi sempre, antes de nós, e assim também será conosco, um dia.
No entanto, o desejo de viver e ser feliz é natural ao ser humano. Viver é bom, existir é melhor que não existir! Ninguém, em sã consciência, quer para si a autodestruição ou aquilo que, sabidamente, lhe traz a infelicidade. O homem pode até mesmo, enganando-se, enveredar por caminhos que o levam à frustração dos seus anseios; mesmo assim permanece verdadeiro que suas buscas estão orientadas para a vida e a satisfação plena de seus anseios mais profundos. Ele quer viver, ser feliz e não lhe bastam alguns momentos felizes na vida. Será isso um sonho impossível do nosso coração inquieto?
Para a fé cristã, nossa vida é um dom precioso de Deus e seu valor não depende do número de anos ou dias vividos neste mundo. Viver é um chamado a sair do nada e da não-existência para participar na obra de Deus. A etapa histórica da vida é o tempo das nossas decisões livres e da operosidade para contribuir na edificação do mundo. Mas isso não é tudo. Estamos a caminho da plenitude da existência junto de Deus, após a morte. Ponto firme da antropologia cristã é a esperança na vida eterna, que não significa a conservação indeterminada da nossa vida biológica e histórica, mas a entrada numa nova dimensão da existência, junto de Deus.
A vida eterna, evidentemente, não é algo que o homem possa dar a si mesmo, como também não se deu a existência neste mundo: ele a recebe. Na cultura da eficiência e do individualismo, por vezes, fica difícil levar a sério algo que não seja fruto, simplesmente, das próprias iniciativas e realizações e que se deva esperar de alguém outro. E a busca quase obsessiva do gozo da vida, proposto com freqüência como ideal máximo e meta da existência, leva a concentrar todas as atenções e esforços na busca de bens deste mundo, que podem, certamente, proporcionar momentos de felicidade, mas, de nenhuma maneira, deixam o coração humano satisfeito; os bens deste mundo são limitados por sua própria natureza e reclamam por outros, mais perfeitos e satisfatórios.
Na sua encíclica Spe salvi (Salvos na esperança), num certo momento, o papa Bento XVI pergunta, se ainda é tempo de falar em vida eterna? O homem de hoje ainda espera algo para além desta vida e daquilo que ele próprio é capaz de garantir para si mediante seu esforço, engenho e mérito? Ainda deseja algo mais para a sua existência, ou se contenta com aquilo que esta vida já lhe pode proporcionar?
Muitas pessoas talvez rejeitam a fé na vida eterna porque lhes parece uma proposta contrária à vida presente e até mesmo um obstáculo para assumir seriamente as responsabilidades da vida pessoal e social; ou mesmo porque a idéia de continuar a viver sem fim, após a morte, lhes parece absurda e até algo indesejável. O conceito de vida eterna pode levar a conclusões errôneas. Considerada como uma sucessão interminável de dias e anos, a eternidade poderia incluir a perspectiva assustadora de uma infinita e insuportável monotonia; de outro lado, sendo a vida experimentada por muitos como um tempo de fadigas e dores, também a eternidade mais poderia parecer um castigo eterno que um bem e um tempo feliz…
Não é com esses conceitos da temporalidade e das experiências aqui vividas que devemos pensar na vida eterna. Bem melhor, poderíamos compreendê-la a partir daqueles instantes repletos de satisfação e felicidade, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade (cf.n.13); onde o antes e o depois deixam de existir. Tais momentos já podem ser experimentados nesta vida e, se pudéssemos, gostaríamos até mesmo de eternizá-los, parando o tempo…
A participação na vida eterna não é simples conquista humana e só nos poderá ser concedida por aquele que é o Eterno, o Senhor da vida. Nossa vida é um peregrinar para a morada definitiva, como ensinava São Paulo. Não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir ( cf Hb 13,14). E Jesus Cristo prometeu que, junto de Deus, prepararia um lugar também para nós. O certo é que Deus, bom e justo, não nos chama à existência para aniquilar-nos, em seguida; nem coloca em nosso coração o desejo de viver e ser felizes, ocultando-nos, depois, o caminho para realizar este sonho…
S.Paulo, 6.11.08