A Conferência de Aparecida, aberta pelo papa Bento 6 no dia 13 de maio e concluída no dia 31 de maio, foi uma graça especial de Deus para o Brasil, para a América Latina e o Caribe. Foram dias de muito trabalho, de ricos depoimentos sobre a realidade eclesial e social dos países de todo o continente, de discernimento para ouvir a voz de Deus e para compreender os caminhos que o Espírito Santo indica para a missão da Igreja no meio desses povos. A escolha do Santuário de Aparecida, como sede da conferência, foi uma intuição feliz do papa Bento 16: estávamos reunidos, como no cenáculo, com Maria, a mãe de Jesus, à espera de Pentecostes. Os trabalhos da conferência foram acompanhados de muita oração pelos próprios participantes, com belas celebrações litúrgicas feitas no Santuário de Aparecida, mas também pelos peregrinos e de muitas pessoas de perto e de longe. Os numerosos romeiros de Nossa Senhora Aparecida, sobretudo nos dois fins de semana da conferência, contribuíram com seu testemunho de fé através das expressões da religiosidade popular e da devoção mariana. Depois de intensos trabalhos, no final da conferência foi aprovado o Documento de Aparecida pela quase unanimidade dos participantes. Esse documento ainda deverá passar pela aprovação do papa, uma vez que foi ele quem convocou a conferência; mas, desde logo, já se tem a síntese das conclusões de Aparecida na “Mensagem aos Povos da América Latina e do Caribe”, divulgada no encerramento dos trabalhos. Daqui por diante, caberá às 22 conferências episcopais do continente, às dioceses e demais organizações da Igreja transformar em iniciativas e programas pastorais e evangelizadores as propostas de Aparecida. Qual é a síntese dessas propostas? Fica até difícil resumi-las em poucas frases, pois são muito ricas. Mas, com certeza, pode-se dizer que nossa Igreja parte de Aparecida com uma renovada consciência de sua identidade, de sua relação com Cristo; sai bem motivada para uma nova atitude missionária e com um desejo grande de contribuir para que, em Cristo, nosso povo tenha vida mais plena. Foi aprovada até mesmo a proposta de uma missão continental, cuja viabilização concreta deverá ser, ainda, estudada melhor pelo Celam [Conselho Episcopal Latino-americano]. Aparecida valorizou as experiências eclesiais da América Latina feitas em Medellín, Puebla e Santo Domingo. A evangélica opção preferencial pelos pobres e pelos jovens, as comunidades eclesiais de base, a presença evangelizadora e profética nas situações contraditórias da vida dos povos, a evangelização da cultura, tudo isso foi também assumido em Aparecida. Mas não se ficou nisso e procurou-se também encontrar respostas para as questões novas do nosso tempo. Foi impressionante perceber nos depoimentos dos bispos, de norte a sul do continente, como as situações e problemas enfrentados pelos povos são muito semelhantes; e os desafios e preocupações da Igreja também. Do ponto de vista religioso, o desafio do pentecostalismo e a evasão de fiéis da Igreja católica, a necessidade de uma iniciação cristã mais aprofundada e de uma nova missionariedade por parte da Igreja, a crise do casamento e a desagregação da família, as novas questões morais, sobretudo em relação à vida e à dignidade humana; no campo social, a pobreza que continua, passo a passo com o aumento da concentração da riqueza; as migrações, o tráfico de drogas, a violência e a criminalidade organizada são mazelas presentes em toda parte. Do ponto de vista cultural, constata-se uma verdadeira mudança de época, com a afirmação do individualismo e do subjetivismo e com a conseqüente perda das referências cristãs que construíram a vida dos povos latino-americanos. Diante de tudo isso, a Igreja latinoamericana parte de Aparecida desejosa de ajudar nossos povos para que, em Cristo, todos tenham vida melhor. Como já ficou provado, não são as ideologias nem as soluções contrárias à dignidade humana que poderão resolver os problemas dos nossos povos. A Igreja acredita que a verdadeira conversão ao Evangelho e a vida nova em Cristo pode trazer solução a tantas situações contrárias ao reino de Deus. A Igreja convida, antes de tudo, os batizados para um renovado encontro pessoal com Jesus Cristo, para se deixarem encantar e envolver por ele, que é o caminho, a verdade e a vida para cada pessoa e para os povos todos; só esse encontro poderá fazer dos católicos verdadeiros discípulos e missionários de Jesus Cristo, dando-lhes uma renovada consciência do valor da própria fé, a alegria de serem cristãos e de pertencerem à Igreja. A proposta para a vida da Igreja na América Latina, nos próximos anos, é clara: ajudar os batizados a serem verdadeiros discípulos de Jesus Cristo e a se tornarem seus missionários ardorosos no meio dos nossos povos. Não se fala apenas de preparar alguns missionários, mas de estimular cada católico a sê-lo de maneira corajosa e eficaz. Para isso, a Igreja toda, com suas organizações e expressões comunitárias, das dioceses às comunidades eclesiais de base, das pastorais aos movimentos, das comunidades de vida consagrada às escolas católicas, dos ministros ordenados aos cristãos leigos presentes nas estruturas do mundo, toda a Igreja deverá se colocar em estado permanente de missão; isso requer uma verdadeira “conversão pastoral”, passando de uma pastoral de manutenção a uma atitude de constante busca e comunicação das riquezas do Evangelho aos que ainda não o receberam. Missionários também para atuarem na sociedade, contribuindo para transformar as estruturas da convivência humana, de acordo com o Evangelho. Nos próximos anos, ainda teremos muito para falar e refletir sobre as conclusões de Aparecida!
Publicado em O São Paulo, Ed. de 05/06/2007