No processo de conversão pastoral e de renovação missionária da Igreja cabe um papel importante à família, que continua a ser indispensável na transmissão da fé aos filhos e na iniciação deles à vida cristã. Aliás, é um fato que em todas as grandes tradições religiosas, a religião é transmitida, sobretudo, na família, até bem mais que pelas estruturas organizadas e representativas da religião. É assim no Judaísmo, no Islamismo e no Hinduísmo. E no Cristianismo não foi diferente até aqui.
Mas aqui cabe uma reflexão: será que nas nossas organizações e estruturas pastorais não deixamos de levar na devida conta o papel da família no que diz respeito, sobretudo, à iniciação à vida cristã e à catequese inicial? Será que não passamos tudo para a paróquia, as pastorais e outras organizações, tirando a responsabilidade das famílias? Por outro lado, será que damos condições às famílias católicas para que elas possam desempenhar a sua missão de “comunidades evangelizadoras”?
Nosso 10° Plano de Pastoral trata da “família, discipulado e compromisso comunitário” (item 3.4). E reafirma que a família católica é a primeira e mais básica das comunidades eclesiais, “lugar e escola de comunhão, Igreja doméstica e primeiro espaço de iniciação à fé”. Por isso, ainda na perspectiva da “conversão pastoral e missionária” que a Igreja nos pede na Conferência de Aparecida, nosso Plano de Pastoral urge que a família e o matrimônio sejam valorizados, de maneira nova nas paróquias, comunidades e organizações pastorais; e sugere muitas iniciativas interessantes voltadas para as famílias, ao longo do ano.
A família bem amparada e orientada nas comunidades eclesiais tem um enorme potencial multiplicador da ação evangelizadora; se todos os pais fizessem bem a sua parte na educação religiosa básica dos filhos, desde pequenos, certamente a evangelização cresceria muito em eficácia. E o que se espera dos pais e da para que ela seja uma “comunidade discípula e missionária”? Nada de extraordinário: antes de tudo, que cultivem a vida cristã em família, mediante a oração diária com os filhos, a leitura da Palavra de Deus e o bom exemplo de uma vida reta. Tenham os sinais e símbolos religiosos bem em evidência em casa, sobretudo um crucifixo e uma imagem de Nossa Senhora.
Espera-se ainda que os pais continuem a procurar o batismo para seus filhos pequenos; que a mãe ainda tome a mãozinha do filho e o ensine a fazer o sinal da cruz, a balbuciar as primeiras orações, a lhe mostrar e explicar, de maneira simples, os sinais e símbolos da nossa identidade religiosa; espera-se que os pais continuem a educar a consciência das crianças, ajudando-as a distinguir entre o que é bom e o que é mau; que lhes falem de Deus e das primeiras noções da nossa fé cristã católica; que lhes contem as histórias da Bíblia, sobretudo de Jesus e dos apóstolos; pede-se também que os levem à Igreja, para que possam perceber, aos poucos, a dimensão comunitária e eclesial da nossa fé; e que, no tempo devido, os encaminhem para a catequese dos sacramentos de iniciação à vida cristã e os acompanhem com especial atenção, passo a passo, nesse processo. É muito esperar e pedir isso aos pais e à família?
Não podemos esquecer que, no casamento, é isso mesmo que os noivos prometem diante de Deus e da Igreja. É verdade, hoje muitas famílias vivem nas situações mais diversas: bem constituídas e perseverantes, incompletas e monoparentais, pobres e sofredoras… Outras, com casamentos desfeitos e refeitos com novas uniões… Mas é preciso dizer que a Igreja não conta apenas com as famílias que vivem uma situação de plena normalidade, segundo o ideal cristão: ela conta com todas elas e as convoca para serem, nas condições e na medida em que isso lhes é possível, comunidades “discípulas e missionárias” para seus filhos. E não faltará a bênção e a recompensa às famílias missionárias, que levam seus filhos ao encontro com Deus!
As mães, de maneira especial, têm uma sensibilidade e uma capacidade especial para introduzirem os filhos pequenos diante de Deus. Gosto daquela passagem do Evangelho que mostra Jesus rodeado de crianças e pessoas pedindo para que as abençoe. Os apóstolos querem afastá-las, mas Jesus reage: “deixem vir a mim as criancinhas e não as impeçam!” (cf. 1815-17). São as mães que levam as crianças a Jesus. Ainda hoje elas são convidadas a fazer o mesmo!
O Salmo 77 (78) traz um exemplo bonito daquilo que significava o processo de transmissão da fé dos pais para os filhos na comunidade hebraica: “O que ouvimos, o que aprendemos, o que nossos pais nos contaram, não ocultaremos a nossos filhos, mas à nova geração nós contaremos as grandezas do Senhor e seu poder, as maravilhas que por nós realizou” (cf. v. 3-4). Havia uma regra segundo a qual os pais deviam falar das maravilhas de Deus aos filhos, e esses, à geração seguinte, e assim por diante. Assim, as novas gerações não esqueceriam as obras que Deus fez em favor do seu povo e, por sua vez, honrariam a Deus e lhe obedeceriam…
O processo da iniciação cristã em família deseja isso mesmo. Quanto trabalho missionário pode e precisa ser feito em família! Os pais são missionários para seus filhos. E os avós também o são para seus netos!
Artigo publicado em O SÃO PAULO, ed, de 12.05.2009