Centenário da Diocese de Santos

A Diocese de Santos, no litoral paulista, acaba de celebrar o seu centenário. Criada em 4 de julho de 1924 pelo papa Pio XI, a Diocese de Santos está entre as mais antigas do Estado de São Paulo, que possui hoje 43 dessas circunscrições eclesiásticas da Igreja Católica. A mais recente é a Diocese de Jaú, no centro do Estado, criada pelo papa Francisco, e que será oficialmente instalada no próximo dia 7 de setembro, com a tomada de posse do seu primeiro bispo diocesano.

Uma diocese é a porção local da Igreja Católica, com sede e limites geográficos definidos, entregue aos cuidados de um bispo para que cuide dela e, junto com seu clero, promova tudo o que é próprio da vida da Igreja e sirva ao povo nas paróquias, comunidades e outras instituições da Igreja presentes na diocese. Mediante os organismos da cúria diocesana, o bispo exerce as missões de anunciar o Evangelho e assegurar a formação cristã ao povo; de coordenar e governar a diocese como pastor dos seus fiéis; de administrar os bens da Igreja, a serviço da missão eclesial; e de santificar, mediante a celebração dos Sacramentos e o incentivo à vida virtuosa, conforme os ensinamentos de Jesus Cristo.

A diocese mais antiga do Brasil é a de São Salvador da Bahia, criada em 25 de fevereiro de 1551. Na época, ela abrangia todo o território brasileiro e ainda uma parte das colônias portuguesas na África. As Dioceses de Olinda e do Rio de Janeiro só viriam a ser criadas em 1667. São Paulo, por sua vez, tornou-se diocese em 1745 e, até junho de 1908, foi a única, em todo o Estado de São Paulo. Até o final do regime imperial brasileiro havia no Brasil apenas 12 dioceses. Hoje são 280 dessas circunscrições eclesiásticas.

A explicação desse exíguo número de dioceses no Brasil, até o advento da República, é bastante simples e óbvia. Durante o período colonial e imperial, existiu o regime do Padroado, um tratado entre a Santa Sé e as Coroas de Portugal e do Brasil, mediante o qual o Estado assumia a Igreja Católica como religião oficial e se comprometia a favorecer a ação da Igreja no Brasil. Em contrapartida, a Santa Sé empenhava-se em reconhecer a legitimidade do regime português. Isso funcionou até certo ponto, e teve algumas vantagens e grandes desvantagens. O Estado sustentava os clérigos como funcionários públicos e isso levou à contenção do número desses “funcionários religiosos”, que representavam um peso para o Estado. Não havia interesse em ampliar a estrutura organizativa da Igreja, nem o número de pessoas encarregadas, que deviam ser sustentadas pelo Estado. Por motivos semelhantes, também não se permitiu a entrada de congregações e ordens religiosas no Brasil, a não ser pouquíssimas, até o fim do Império.

Com o advento da República, foi rompido o regime do Padroado e o Estado republicano se declarou laico, sem religião oficial, e assegurando a liberdade religiosa aos cidadãos. Com isso, logo após a Proclamação da República, a Igreja Católica no Brasil também ganhou a autonomia para se desenvolver livremente. Ao invés de se relacionar com o imperador e com o Senado imperial, ela passou a se relacionar diretamente com a Santa Sé e com o papa. Quando, antes disso, até a admissão de seminaristas ao seminário e a criação de paróquias precisavam passar pela aprovação do governo imperial, agora, essas decisões eram tomadas autonomamente pelos bispos e pelo papa, no caso da nomeação de bispos e da criação de dioceses. Assim, nos primeiros anos após a Proclamação da República, o papa Leão XIII criou várias dioceses no Brasil. Também São Pio X, no início do século 20, criou um grande número delas. Em 1908, esse papa criou de uma só vez cinco dioceses no Estado de São Paulo: Taubaté, Campinas, São Carlos, Botucatu e Ribeirão Preto. A Igreja Católica, mais pobre e insegura do ponto de vista da sua sustentação, caminhava com suas próprias forças e conseguia cumprir com liberdade a sua missão.

Nesse contexto, também se situa a criação da Diocese de Santos, em 1924. Dom Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo, promoveu a organização dessa nova circunscrição eclesiástica no intuito de favorecer o melhor atendimento religioso à população, que crescia muito no início do século 20, sobretudo na Baixada Santista. Durante algumas décadas, a Diocese de Santos abrangia todo o litoral paulista, de Cananeia, na divisa com o Paraná, até Paraty, na divisa com o Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, o litoral sul de São Paulo integra a Diocese de Registro e o litoral norte, a Diocese de Caraguatatuba.

Santos teve grandes bispos, entre os quais dom Paulo de Tarso Campos, que viria a ser, depois, o primeiro arcebispo de Campinas, e dom David Picão, que governou a diocese por 34 anos e lhe deu grande desenvolvimento religioso e cultural. Desde 2015, o bispo diocesano é dom Tarcísio Scaramussa, que promoveu a celebração do centenário, tempo para recordar a história dessa comunidade eclesial viva e dinâmica.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo

Publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo em 13 de julho de 2024