A igreja de Nossa Senhora da boa Morte completará 200 anos em 2010; construída pela Irmandade da Boa Morte, quando São Paulo ainda era pouco mais que uma vila, o templo testemunhou dois séculos da história da cidade: história religiosa, social, cultural, econômica e política. Seus sinos repicaram alegres à chegada de Dom Pedro I, após a proclamação da independência, e seus bancos abrigaram, lado a lado, brancos e negros, bem antes da abolição da escravatura. Passando pela sua porta, muitos condenados à pena capital, enquanto eram levados ao patíbulo na Liberdade, puderam parar ali para fazer uma última súplica ao Bom Jesus, ou à Virgem Dolorosa, ou ainda a Nossa Senhora da Boa Morte, ali venerada.
Desgastada pelo tempo e pelo uso, devorada pelos cupins e consumida pelo mofo, ela precisava muito de socorro, para não acabar em total ruína. Foi preciso fechá-la, por oferecer riscos à segurança. Dom Cláudio incentivou muito o restauro, iniciado em 2006. Foram 3 anos de trabalhos meticulosos e competentes dos técnicos em recuperação do patrimônio histórico, artístico e cultural. Um significativo aporte financeiro foi necessário para bancar as obras; além de contar com os recursos captados mediante a lei de incentivos à cultura (Lei Rouanet), a realização do trabalho precisou contar com vários apoiadores privados. Tudo para que a Arquidiocese pudesse devolver à cidade de São Paulo um pedaço de sua história e de sua memória. Afinal, a Igreja católica é parte da história desta cidade, desde os seus primórdios.
O templo foi restituído ao seu estilo original, o barroco colonial paulista; também imagens, peças de arte e móveis foram recuperados e, surpresa, no teto, sobre o altar, foi achada uma belíssima pintura sobre a madeira, que estava coberta por uma camada de látex, totalmente esquecida; trata-se de uma esplên- dida cena da Virgem Maria elevada ao céu e coroada pela Santíssima Trindade. Os estudiosos têm algo a esclarecer sobre isso. Quem for visitar a igreja, vai gostar, certamente. Fica na Rua do Carmo, s/n; o acesso mais fácil é pela rua Tabatinguera, atrás da Praça da Sé.
Concluídos os trabalhos e reaberta ao público no dia 11 de julho, a igreja foi devolvida às suas funções religiosas, culturais e sociais logo em seguida, às 8h00 da manhã do domingo, dia 12 de julho; durante a primeira Missa na igreja renovada, foi feita a solene dedicação do templo à glória de Deus e ao louvor da Virgem Maria. Na mesma ocasião, ela foi erigida canonicamente em Oratório público, com o nome ampliado, para melhor explicitar sua identidade: Igreja de N.Sra da Boa Morte (ou da Dormição da Bemaventurada Virgem Maria). Sim, porque a “boa morte”, no caso, é a de Maria, Mãe de Jesus, lembrada outrora na Liturgia como a “Dormição” da B.Virgem Maria. Em Jerusalém existe a igreja da “Dormitio”, ou da Dormição, que recorda a morte de Maria. O título litúrgico, lembrado no dia 14 de agosto, está relacionado intimamente com a festa da Assunção de Maria ao céu, oleni- zada no dia 15 de agosto e da coroação, como Rainha do céu e da terra, no dia 22 de agosto. Aliás, na própria igreja, as imagens de Nossa Senhora “adormecida”, elevada ao céu e coroada na glória da Trindade aparecem numa seqüência plástica perfeita.
O cuidado pastoral do Oratório público de Nossa Senhora da Boa Morte (ou da Dormição da Bemaventurada Virgem Maria) foi confiado ao padre Antonio Cadeddu, como reitor, e ao padre João Henrique, como vice reitor. Ela deverá ficar aberta dia e noite, ininterruptamente; ali deverão ser promovidas as celebrações litúrgicas da Igreja, o sacramento da penitência, a pregação da palavra de Deus, a adoração à Eucaristia, as devoções populares, o conforto aos doentes e aflitos, a acolhida e o cuidado dos pobres e dos necessitados de atenção fraterna e samaritana. A Comunidade Aliança de Misericórdia coordenará, junto com os padres responsáveis, todo tipo de atendimento necessário. Muitas iniciativas poderão ser agregadas ali e muitos grupos e pessoas voluntárias poderão contribuir para dar vida nova à igreja, situada numa área da cidade onde se faz muito necessário testemunhar que “Deus habita esta cidade”.
A novidade é que teremos no centro histórico de São Paulo uma igreja católica aberta 24 horas por dia. Poderá ser a primeira de mais outras iniciativas semelhantes, necessárias numa cidade que não dorme e onde o “povo da noite” procura, muitas vezes, uma porta aberta e a luz da esperança. Evidentemente, não bastam portas abertas, é necessário que haja alguém para acolher e escutar. E poderão ser muitos a fazê-lo. Faz parte de nossa missão de discípulos e missionários de Jesus Cristo nesta cidade imensa!
Artigo publicado em O SÃO PAULO, Ed de 14.07.2009