Ano jubilar da esperança

Há sete séculos, a cada 50 anos, a Igreja Católica celebra anos santos, ou jubileus; mais recentemente, esses passaram a ser celebrados a cada 25 anos. Mas quando há alguma ocasião especial o papa pode promulgar um ano jubilar extraordinário, como acontecerá em 2033, no segundo milênio da morte de Jesus Cristo na cruz.

A origem dos anos jubilares é bíblica. Conforme lemos no livro de Levítico, Moisés prescreveu ao povo hebreu, após a libertação da escravidão no Egito, “o quinquagésimo ano será para vós um jubileu” (cf. Lv 25, 8-13). Os objetivos do jubileu eram o repouso da terra, a libertação dos prisioneiros, a remissão dos débitos, o restabelecimento da equidade e da justiça e o agradecimento pelos benefícios recebidos de Deus.

O jubileu bíblico inspirou o papa Bonifácio VIII a proclamar, em 1300, o primeiro jubileu na história da Igreja, para celebrar o perdão infinito de Deus, reavivar a fé e a confiança em Deus e promover a superação dos conflitos e a reconciliação no convívio social, marcado por guerras e violências. Sempre fizeram parte dos jubileus as peregrinações aos lugares santos das origens cristãs, sobretudo aos dos túmulos dos apóstolos e aos santuários da Virgem Maria.

No dia 9 de maio passado, o papa Francisco promulgou o ano jubilar ordinário de 2025 com a bula Spes non confundit, “A esperança não engana”, convidando a Igreja e a humanidade inteira a se voltarem para Deus e a reavivarem a esperança. O jubileu será aberto pelo papa para toda a Igreja, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, dia 24 de dezembro deste ano. No dia 29 de dezembro, o bispo de cada diocese do mundo fará a abertura do jubileu na sua catedral diocesana. O lema do ano jubilar é “peregrinos da esperança”.

Além do significado religioso, o ano jubilar também traz apelos importantes para que sejam superados os conflitos, violências e guerras e se promova a reconciliação e a fraternidade, a justiça e a paz no convívio social e internacional. Seria excessivo, pergunta Francisco, sonhar que as armas se calem e deixem de espalhar destruição e morte? E conclama o empenho da diplomacia para se construírem, de forma corajosa e criativa, espaços de negociação em vista duma paz duradoura (cf. n.º 8).

O papa indica várias situações, necessitadas de sinais de esperança, como a falta de perspectivas de um futuro, que leva à redução do desejo de transmitir a vida e a uma “preocupante queda da natalidade”; a quantidade enorme de prisioneiros no mundo, aos quais é preciso restituir a esperança de remissão, liberdade e reinserção digna na vida social; os muitos enfermos que, apesar dos recursos científicos disponíveis para os cuidados da saúde, ainda padecem de males que já poderiam ser prevenidos e curados.

Na bula do ano jubilar, o pontífice reserva palavras especiais aos jovens, necessitados de sinais vigorosos de esperança: “Muitas vezes, infelizmente, eles veem desmoronar-se os seus sonhos. Não os podemos decepcionar”. Mas também lembra os idosos, em aumento em todo o mundo, muitos dos quais vivem na solidão e no abandono. Sinais de esperança precisam os milhões de migrantes, refugiados e deslocados por causa das guerras, perseguições e miséria, que deixam tudo em busca de um futuro melhor para si e suas famílias: que suas expectativas não sejam frustradas por preconceitos e isolamentos! Que encontrem braços acolhedores e a responsabilidade das autoridades, “de modo que a ninguém seja negado o direito de construir um futuro melhor”.

Sinais de esperança precisam os mais fracos e vulneráveis na vida social e na comunidade internacional, mediante a defesa firme de sua dignidade e seus direitos. O papa pede que se olhe “para os milhares de milhões de pobres, aos quais muitas vezes falta o necessário para viver”. Corremos o risco de nos habituarmos a esta situação escandalosa: no mundo, onde os pobres seguem sendo a maioria das pessoas, são destinados enormes recursos para produzir armas de destruição. Por isso, o papa apela às nações mais ricas para que “reconheçam a gravidade de muitas decisões tomadas e decidam o perdão das dívidas dos países que nunca poderão pagá-las”.

O jubileu lembra que os bens da Terra se destinam a todos, e não a poucos privilegiados. “É preciso que seja generoso quem possui riquezas, reconhecendo o rosto dos irmãos em necessidade. Penso de modo particular naqueles que carecem de água e alimentação: a fome é uma chaga escandalosa no corpo da nossa humanidade e convida todos a um exame de consciência”.

A questão ambiental e climática não ficou esquecida: se queremos ter esperança de futuro, precisamos cuidar bem da “casa comum” e tomar iniciativas corajosas para promover uma ecologia integral, enfrentando a “dívida ecológica” ligada às relações imprudentes e predatórias do homem com a natureza. O ano jubilar de 2025 vem para sacudir a consciência da humanidade; mas também para indicar sinais de esperança que todos precisam e podem construir juntos.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo 

Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S. PAULO em 8 de junho de 2024