Na sua recente encíclica, Caritas in Veritate, o papa Bento XVI aborda os novos problemas surgidos com o mundo globalizado e indica por onde deveria ser procurado o caminho de um verdadeiro desenvolvimento humano. O fato é que os rumos atuais estão levando, com freqüência, a um beco sem saída, para não dizer, na direção do abismo.
Se as atividades humanas, como o trabalho, a economia, a finança, as relações sociais e a relação com o meio ambiente não estiverem de acordo com a verdade e o ser das coisas, acabam introduzindo desvios na natureza das coisas e os efeitos recaem sobre o próprio homem e sobre a natureza. Fatos incontestáveis são, por exemplo, a degradação ambiental e o risco da morte do Planeta Terra, ou a miséria de grande parte da população, produzida por uma orientação inadequada da economia e da finança; ou ainda, o clima de violência reinante em muitas cidades, não só do Brasil, mas do mundo inteiro.
O mundo globalizado resulta, sobretudo, do desenvolvimento científico e tecnológico. São atividades maravilhosas, mediante as quais o homem, de alguma forma, se apossa dos segredos da natureza e coloca estes conhecimentos ao seu serviço. A Igreja não é contrária à ciência e à técnica, mas afirma que, sendo atividades humanas, elas podem ser usadas para o bem e para o mal. Portanto, precisam ser orientadas por critérios éticos válidos, para que seus efeitos não se voltem contra o próprio homem.
A Igreja, através de sua Doutrina Social, tem procurado dar sua contribuição à sociedade para que o progresso científico e tecnológico seja bem orientado e para que essas atividades humanas, hoje essenciais, possam contribuir para o verdadeiro desenvolvimento dos povos. No capítulo 6º da sua nova encíclica, o papa Bento XVI indica os princípios que, de acordo com o ensinamento cristão, deveriam nortear a produção e o uso da técnica.
Antes de tudo, aborda a questão complexa da liberdade humana: será bom o uso da liberdade, só quando for respeitoso da verdade das coisas e do próprio ser humano. O tema da verdade (Veritas) perpassa toda a encíclica. A produção e o uso da técnica estão estreitamente ligados com o exercício da autonomia e da liberdade humanas. “O desenvolvimento da pessoa degrada-se quando ela pretende ser a única produtora de si mesma” (n. 68). E assim, o homem também degenera o desenvolvimento dos povos, a economia, a finança e as relações com a natureza, quando pretende “recriar” tudo apenas a partir dos recursos da técnica. É preciso que ele entre novamente em si e reconheça a verdade de si mesmo e das coisas, bem como os fundamentos da lei moral.
O prodigioso desenvolvimento tecnológico pode levar o homem a pensar que a técnica é auto-suficiente; isso acontece quando ele se preocupa apenas com o “como” usar ou fazer as coisas, deixando de se interrogar sobre os “por quês” das coisas e, ainda mais, sobre o “por quê” ele próprio é levado a fazer as coisas. E aí volta o velho e bom ditado: nem tudo o que é possível ser feito deve ser feito. A possibilidade técnica ainda não significa liceidade moral. Mais uma vez, aqui o homem está diante da sua liberdade, que pode se orientar para o bem ou para o mal.
A técnica é fantástica e seduz intensamente o homem, porque o livra das suas limitações físicas e alarga o seu horizonte. Mas, adverte o papa na encíclica: diante da técnica, o homem deve ser responsável e exercer de modo autêntico a sua liberdade; e a liberdade só será verdadeira quando responde à sedução da técnica com decisões que sejam fruto da responsabilidade moral (n. 70). E se trata, muitas vezes, de grave responsabilidade social. Por isso, diz ainda o papa: o desenvolvimento verdadeiro dos povos é impossível, sem homens retos, sem operadores econômicos e políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo ao bem comum (71).
As conseqüências aplicam-se para todos os campos da atividade e da convivência humanas. Por vezes, acredita-se que o desenvolvimento econômico será conseguido apenas mediante uma bem montada engenharia financeira ou com um complexo parque industrial e tecnológico, mas não é assim: jamais será garantido por forças, de certo modo, automáticas; e a bem pensada engenharia financeira, geralmente, só beneficia os conhecedores dessa engenharia, enquanto as populações continuam na miséria. E quando as técnicas são aplicadas para intervir sobre o ser humano e a vida, quanto risco, se não se faz o uso responsável da técnica! O ser humano pode virar simplesmente objeto de manipulação e de uso, até mesmo em função de lucro, como estamos assistindo a cada dia nos noticiários. O mesmo pode acontecer com as técnicas da comunicação… Sem esquecer os efeitos do uso não responsável da técnica nas relações com a natureza: acabamos matando a vida e as condições de vida do Planeta, estragamos nossa própria casa comum (o ar, o clima, a água…) e queimamos o chão debaixo dos nossos pés.
Concluir que o papa e a Igreja são contrários à ciência e à técnica, ou as condenam, seria um grave mal-entendido. O que a doutrina social da Igreja está afirmando e repetindo é que o desenvolvimento e o progresso não devem ser apenas exteriores ao homem, nem ter uma inspiração materialista: isso não traz bem, os fatos o comprovam. Mas devem levar em conta o bem integral do ser humano, a sua dimensão espiritual e moral, e as pessoas consideradas na sua totalidade.
Publicado do Jornal O SÃO PAULO, ed. de 21/07/2009