No dia 25 de dezembro, os cristãos, e muitos outros com eles, comemoram o nascimento de Jesus Cristo, que deu origem ao Cristianismo há cerca de 2 mil anos.
Para muitos, é a festa mais esperada do ano, não apenas por motivos de fé religiosa, mas também pelas muitas manifestações culturais e sociais relacionadas a ela. Em tempos de sociedade de consumo, o Natal tornou-se também ocasião para aquecer as vendas no comércio e impactar positivamente a economia.
Com a celebração do Natal relacionam-se apelos à fraternidade e à paz, à abertura e generosidade para com o próximo e sensibilidade em favor dos que mais sofrem. O Natal traz lembranças de família, de encontros e vivências calorosas, sabor de cozinha e de mesa, música, sentimentos bons, pensamentos que se voltam para Deus. Tudo isso é bonito e interessante, mas poderia ser um conjunto de ritos e sentimentos despertados por um mito, como o de Papai Noel… O que expressa, de fato, a fé cristã com a celebração do Natal de Jesus?
O Natal é a comemoração do nascimento de Jesus Cristo. Não se trata do seu aniversário, mas do fato mesmo do seu nascimento e do seu significado para Jesus e para a humanidade. Os cristãos proclamam e celebram a vinda ao mundo do filho de Deus, que assumiu a “carne da humanidade” (conferir Evangelho de São João 1,14), fazendo-se um conosco para nos transmitir os bens de sua divindade. A celebração do Natal não se atém aos elementos históricos do nascimento de Jesus, embora esses existam e sejam importantes; mas vai ao seu verdadeiro conteúdo, que a Igreja anuncia como “mistério da encarnação”. Na sua liturgia, a Igreja refere-se ao significado extraordinário do Natal como um “admirável mistério”, no qual o céu se une à terra, como num “maravilhoso intercâmbio entre Deus e o homem”. O filho de Deus, sem deixar de ser o que é, tornou-se também um de nós; fez-se pequenino para que todos pudessem aproximar-se dele, sem medo.
A fixação do dia 25 de dezembro para a celebração do Natal obedeceu a critérios teológicos e litúrgicos, sem a pretensão de afirmar a data histórica do nascimento de Jesus. Não há como fixar com exatidão essa data, uma vez que não existiam esses registros à época de Jesus e pretender encontrar tais documentos hoje seria anacrônico. Pode-se afirmar que ele nasceu no inverno do Hemisfério Norte. Mais uma vez, a questão central da celebração do Natal não é a data do nascimento de Jesus, mas o próprio fato do seu nascimento e seu significado.
Nos primeiros tempos do Cristianismo, enquanto as comemorações cristãs ainda estavam em fase de organização na Igreja, o Natal já era celebrado, mas junto com a Epifania. Somente na passagem do século 4.º para o século 5.º foi feita a distinção entre ambas as festas cristãs. De fato, há numerosos testemunhos históricos do século 4.º sobre a celebração do Natal em 25 de dezembro, como festa diversa da Epifania, nas diferentes regiões onde o Cristianismo já se fazia amplamente presente, como em Roma, na Espanha, no Norte da África e na Ásia Menor. Questões doutrinais referentes a Jesus Cristo levaram a realçar, mais e mais, o seu nascimento, para destacar o mistério da encarnação do filho de Deus em nossa natureza humana. Isso também correspondia à distinção que os Evangelhos de Mateus, Lucas e João fazem entre o nascimento de Jesus (Natal) e sua manifestação ao mundo (Epifania).
Nos primeiros quatro séculos do Cristianismo, houve controvérsias sobre a verdadeira identidade de Jesus Cristo: quem ele realmente é e de onde ele veio? Difundiam-se interpretações que não correspondiam aos Evangelhos e à pregação originária dos apóstolos sobre ele. Os Concílios Ecumênicos de Niceia, Calcedônia, Éfeso e Constantinopla clarearam essas controvérsias e definiram os enunciados principais da fé universal da Igreja, sintetizados nos dois “símbolos da fé cristã”: apostólico e niceno-constantinopolitano. A solução dessas controvérsias deu base para que se destacasse sempre mais o nascimento de Jesus, afirmando, assim, a concepção de fé cristã a seu respeito: verdadeiramente divino e verdadeiramente humano.
A festa do Natal cristão viria da adoração do “sol invencível” (Natalis solis invicti), amplamente difundida no império romano no século 4.º da era cristã? Essa festa existia e celebrava o solstício do inverno no hemisfério Norte; os cristãos eram tentados de tomar parte nesses festejos pagãos. Isso pode ter contribuído para que, na Igreja de Roma, fixasse-se o nascimento de Jesus na ocasião desses festejos, significando, assim, que é Jesus a verdadeira luz e o sol que ilumina toda pessoa. De fato, as narrativas do Evangelho sobre o nascimento de Jesus fazem referências à luz que seu nascimento irradiou sobre o mundo. Jesus mesmo se apresentou como a “luz do mundo” (conferir Evangelho de São João, 8,12). Isso, no entanto, não é o mesmo que assumir uma festa pagã no Cristianismo; na verdade, tratou-se de dar um novo conteúdo a uma festividade existente, alterando-lhe inteiramente o sentido.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 13 de dezembro de 2025
