A celebração da Páscoa tem início no Domingo de Ramos e se estende, por uma série de ritos, realizados durante a Semana Santa, até o Domingo de Páscoa da Ressurreição. Ao longo de todas essas celebrações e ritos, somos exortados a seguir os passos de nosso Salvador para que, “associados pela graça à sua cruz, participemos também de sua ressurreição”. O propósito da celebração da Páscoa é pleno de esperança.
Durante a Semana Santa, lemos duas vezes o relato da Paixão de Jesus: no Domingo de Ramos e na Sexta-feira Santa. A referência aos sofrimentos de Jesus e à sua injusta condenação à morte de cruz poderiam passar a impressão de que se trata de um tempo pesado, com dias tristes de recordação de uma grande tragédia. A traição de Judas, a negação de Pedro e o abandono de Jesus pelos demais apóstolos parecem acrescentar mais carga negativa aos acontecimentos celebrados. O evangelista São Mateus observa que, na morte de Jesus, o mundo ficou envolto em pesadas trevas (cf. Mt 27,45). E não era para menos!
Entretanto, a partir de um olhar de fé, podemos ver as coisas diversamente. A celebração da Páscoa nos enche de grande esperança. Jesus Cristo, injustiçado, sofredor e morto na cruz, é testemunha do amor extremo de Deus para conosco e tornou-se sinal de vida e salvação para todos aqueles que Nele creem e O acolhem de coração sincero. Sua entrada em Jerusalém representa a esperança de realização do reino de paz e justiça anunciado pelos profetas, apesar de toda oposição enfrentada. No final, o reino de Deus triunfará. Quem segue a Cristo, torna-se discípulo e missionário do reino de Deus, que é o grande bem para o homem e o mundo. Por isso, o povo canta no Domingo de Ramos: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!”
A última ceia e a despedida de Jesus são, para os apóstolos, momentos de apreensão e tristeza (cf. Jo 16,6). Ao mesmo tempo, Jesus institui a Eucaristia, dando a eles e à Igreja o sinal de sua presença permanente com eles. O “discurso de despedida” de Jesus é cheio de promessas e de esperança! “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18), prometeu Jesus aos discípulos. E lhes assegurou também um bom lugar no céu: “Vou ao Pai preparar-vos um lugar e voltarei para que estejais para sempre comigo” (cf. Jo 14,1-4) e prometeu o Espírito Santo, como companhia, defensor e sábio mestre (cf. Jo 14,25-26; 16,17ss).
Os acontecimentos da Sexta-feira Santa pareceram o fim de toda esperança para a maioria dos discípulos, como bem revelam os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,1-34). Eles ficaram chocados e frustrados nas expectativas humanas que tinham projetado em Jesus. Por isso, a morte de Jesus na cruz e sua sepultura pareceram-lhes o fim de um belo sonho. São Lucas observa de maneira fina: “É que eles ainda não haviam entendido o sentido da Escritura, segundo a qual Ele devia morrer e ressuscitar” (cf. Jo 20,9). No entanto, com toda a sua tragicidade, a Sexta-feira da Paixão é um anúncio de esperança. Jesus assumiu os padecimentos da cruz por amor à humanidade: “Amou-os até o fim” (Jo 13,1), o que significou: até as últimas consequências, sem reservas, até a doação total de si, de seu sangue, de sua vida. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos que ama” (cf. Jo 15,13). Jesus morreu por amor ao Pai, fiel à própria missão, que Ele não traiu nem renegou mesmo nos momentos mais difíceis. Jesus é a testemunha fiel do amor de Deus pela humanidade: “Tanto Deus amou o mundo que lhe entregou seu Filho unigênito, para que não pereça todo aquele que Nele crer, mas tenha a vida eterna (cf. Jo 3,16). Se Deus nos amou tanto, podemos estar cheios de esperança: esse amor infinito também vale para nós. Ninguém é tão pecador que não possa ser salvo. Basta voltar-se para Jesus com humilde confiança, como fez o bom ladrão (cf. Lc 23,42-43). Jesus não foi um derrotado, mas entregou a sua vida livremente por amor a nós.
A liturgia da Vigília Pascal é inteiramente marcada pela alegre esperança que vem do amor de Deus pelo seu povo e pela humanidade inteira. Os textos da Vigília são muito bonitos e falam do amor fiel e da misericórdia de Deus para com seu povo pecador e da aliança nova e eterna que Deus quer fazer com seu povo. A celebração da Páscoa, com o anúncio da ressurreição de Jesus e seus encontros com os discípulos depois da ressurreição, reacende a esperança dos discípulos. Os dois de Emaús são um exemplo disso; mas também os demais, quando Jesus os encontra à beira do mar da Galileia e os reúne novamente e envia em missão.
Celebrar a Semana Santa e a Páscoa no Ano Jubilar “da esperança” nos ajuda a entender um pouco mais o significado da vida cristã: como discípulos de Jesus, que por nós padeceu, morreu na cruz, foi sepultado e ressuscitou, seguimos na vida cheios de confiança, como “peregrinos de esperança”, de uma esperança “que não engana”.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Publicado originalmente em Jornal O São Paulo