“A Paz é fruto da justiça”, assim anunciou o profeta, em nome de Deus, conclamando a todos, sobretudo os que cometem injustiça e violência contra o próximo, a retomarem a medida boa da justiça nas relações humanas. Vale ainda hoje. E nós o reafirmamos na Campanha da Fraternidade deste ano. E também será nosso compromisso profético permanente recordá-lo às consciências e à sociedade toda, colaborando na construção da convivência solidária e fraterna.
Cremos nesta utopia cristã, pois será assim quando a história terá fim e a utopia se tornar plena realidade, no reino de Deus. Poderia ser diversamente? Quem age contrariamente a isso, não é discípulo desse reino e vai na direção errada. Quem age segundo uma lógica de injustiça, aposta num futuro de violência e se predispõe a ser vítima dessa mesma violência! Enquanto cristãos, não aceitamos que o mundo esteja destinado ao caos, ou a voltar à lei da selva; cremos que se encaminha para a plenitude do reino de Deus, “reino de justiça, de amor e de paz”. E, discípulos e missionários do reino de Deus, continuaremos a lutar para isso.
A Páscoa tem no seu centro um drama de extrema violência contra a pessoa de Jesus Cristo. Todos os textos lidos durante a semana santa, e ainda no tempo pascal, aludem a esse “mistério da iniquidade” desabando sobre um inocente, que se apresentou ao mundo como o Filho de Deus e só “fez bem todas as coisas”… Perseguido, preso e torturado, ele foi condenado à morte horrível na cruz, mesmo reconhecido inocente pela autoridade competente; desprezado, “homem de dores, coberto de sofrimentos, tão reduzido estava na sua dignidade, que não fazíamos mais caso dele” (cf Is 53,3). De sua parte, nenhuma reação violenta para se defender, ou para restabelecer a justiça humana; Ele confiava plenamente na justiça de Deus, que tem formas próprias de se manifestar. Até mesmo na cruz, invocou o perdão para aqueles que o matavam: “Pai, perdoai-lhes, não sabem o que fazem!”
A morte de Jesus na cruz parecia o fim e a paz era novamente restabelecida pela violência esmagadora, pela eliminação completa do problema… Assim pensavam, mas a violência não teve a última palavra! Os apóstolos proclamam que “Deus estava com ele”; com o centurião romano, que comandou o pelotão de execução de Jesus, eles também proclamam: era um justo! Herdeira do testemunho e da fé apostólica, a Igreja continua a anunciar: Deus ressuscitou Jesus e não o abandonou ao poder da morte! Ele, humanamente, era o Filho de Deus e os poderes da violência e da morte não triunfaram sobre ele!
Após a ressurreição, Jesus não chamou às contas quem o perseguiu, torturou e matou. Nada disso aconteceu. O Filho de Deus não enfrenta a violência com mais violência. Ao se manifestar, vivo e glorificado, diante dos discípulos espantados e temerosos: Jesus lhes anuncia: “a paz esteja com vocês!” E os envia a pregar a todos a Boa Nova da paz e do perdão de Deus.
A celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo nos coloca mais uma vez diante deste “mistério grande”; humanamente é incompreensível e nos supera e deixa extasiados, sem palavras. Quem podia compreender que o Filho de Deus viesse ao mundo, se fizesse humano, servo de todos, o último de todos, obediente e fiel a Deus, mesmo a custo de receber dos homens a rejeição e a condenação à morte horrível na cruz!? Quem podia imaginar que nos mostrasse, desta maneira, o amor de Deus, “até o fim”?!
Saulo, antes de ser Paulo, achava que tudo isso era uma loucura; que era suprema blasfêmia a afirmação dos Apóstolos de que Jesus era o Cristo de Deus, por meio de quem o eterno Deus concede ao mundo o perdão dos pecados; queria acabar com “esse caminho” pois pensava saber tudo sobre Deus e sobre como Ele deve agir em relação à humanidade… Mas depois do seu encontro com o Senhor ressuscitado, às portas de Damasco, “abriram-se-lhe os olhos” e ele próprio se sentiu envolvido neste mistério do amor de Deus, que supera os limites humanos; e começou a compreender a “loucura da cruz”: “Ele me amou e por mim se entregou!” E passou a dedicar a Cristo e à difusão desta Boa Nova o resto de sua vida!
Em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, compreendemos melhor a justiça de Deus: ela não esmaga sua criatura, não é cobrança nem vingança contra ela. Que necessidade teria Deus de brigar com a criatura?! A justiça de Deus manifesta-se plenamente na sua paciência para com o pecador, na espera que ele volte, se converta e viva; no amor misericordioso, no perdão “setenta e sete vezes sete”, sem limites. A justiça de Deus é restauradora, salvadora.
Por isso, ao celebrar a Páscoa, a Igreja professa, com reconhecimento e alegre fé: Jesus Cristo “amou os seus que estavam mundo e os amou até o fim” (cf Jo 13,1). E entre os “seus”, contamos também nós. E anuncia: “este é o dia que o Senhor fez para nós. Alegremo-nos e nele exultemos!” (cf Sl 118,24)! É o dia de Deus, que vence a escuridão da morte, “dia sem ocaso”, iluminado pelo esplendor do Senhor vivo e presente no meio de nós, para sempre! E todos anunciamos ao mundo, ainda marcado pela violência: “seu amor é sem fim!” (cf Sl 118,1).
Desejo a todos os leitores de O SÃO PAULO uma feliz e santa Páscoa! O Senhor Ressuscitado abençoe a todos e seja sua constante companhia!
Artigo publicado em O SÃO PAULO, ed, de 07.04.2009