Papa da esperança

O conclave escolheu o cardeal Robert Francis Prevost como novo papa da Igreja Católica Apostólica Romana. Ele assumiu o nome papal de Leão XIV, retomando a longa lista de papas que tiveram esse nome, a começar pelo grande São Leão Magno e passando por Leão XIII, que governou a Igreja no final do século 19 e foi o autor do documento Rerum Novarum (1891), primeira encíclica social dos tempos modernos.

Desde o falecimento de Francisco até a entrada no conclave, os membros do Colégio Cardinalício participaram de 11 dias de reuniões e de vários momentos de celebração, também impregnados de reflexão e oração. O objetivo principal das chamadas “congregações gerais” do Colégio Cardinalício foi a tomada de consciência sobre a Igreja e sua missão. Foi bem interessante ouvir esses pastores da Igreja, presentes e atuantes nas mais diferentes situações sociais, culturais, políticas e religiosas em todo o mundo. Alguns referiam-se à séria crise religiosa na Europa e em parte da América; outros, da África e da Ásia, falavam da vitalidade de suas comunidades locais, apesar dos frequentes sofrimentos e privações enfrentados. Outros falavam da sua experiência no serviço à Igreja reprimida e perseguida, sem liberdade religiosa. Cardeais vindos de países periféricos e pobres falavam do anseio por maior atenção da comunidade internacional para esses países. E também se fizeram ouvir as angústias dos cardeais de países em guerra, onde se luta cada dia pela sobrevivência.

A imprensa e todas as formas de comunicação também acompanharam esses dias de reflexão, expressando todo tipo de expectativas e projeções em relação ao futuro pontificado. No meio dos cardeais já estava o futuro papa, embora nem ele nem os demais ainda soubessem quem haveria de ser. Pobre homem, como ser papa para uma Igreja que tem a mesma fé e a mesma missão, mas vive em situações e anseios tão diversos? Deve ser um promotor do diálogo e da fraternidade entre todos; deve ser acolhedor e promotor de comunidades acolhedoras e sensíveis aos problemas da humanidade; um homem que escuta todos e toma decisões difíceis. Deve ser exemplo de justiça e transparência e promover a justiça e a solidariedade social. Também deve ser bondoso, corajoso e profético, dizer o que deve ser dito, mesmo quando não agrada; defender a verdade, promover o respeito à vida, à pessoa humana e ao ambiente da vida…

A lista dos desejos e das projeções sobre o novo papa poderia se alongar ainda mais.

Deveria ele ser uma espécie de semideus? Na verdade, o que se espera dele é o que se deveria esperar de qualquer pessoa, mesmo que em medidas diferentes. Não cabe somente ao papa a promoção da justiça e da paz ou a defesa da dignidade da pessoa humana e do respeito pela vida. Mas não há dúvida: a autoridade do papa, a serviço de toda causa boa, tem um peso extraordinário e se torna uma referência para quem aceita e para quem não aceita sua autoridade. Sua palavra e exemplo podem mobilizar multidões de pessoas, a prescindir da fé que praticam.

Naturalmente, a primeira missão do papa diz respeito à vida e à missão da própria Igreja Católica. Ele a deve guiar e manter unida na fé, esperança e caridade, além de promover o anúncio do Evangelho no mundo. Ele o faz pessoalmente e assegurando que essa missão seja cumprida em toda parte. Ele não está sozinho no desempenho de responsabilidade tão grande e conta com a participação, em cada diocese do mundo, do respectivo bispo diocesano, em comunhão com ele.

Desde o falecimento de Francisco, a Igreja inteira rezou, não apenas pelo pontífice falecido, mas também pela Igreja e pelo novo papa. Temos fé na ajuda do Espírito Santo, mais ainda quando se trata de um encargo tão importante e necessário. A Igreja não se entende apenas como uma obra humana; fosse assim, ela já teria perecido há muito tempo. Mas, se ela segue viva e capaz de indicar rumos seguros para a vida humana e para o mundo, é porque o Espírito de Deus age nela e por ela. Não é sem motivo que o papa assume o título de servus servorum Dei: “Servo dos servos de Deus”.

Ele é o primeiro servidor de um povo de servidores dos irmãos.

Quando a fumaça branca apareceu na chaminé instalada no telhado da Capela Sistina, todos puderam ver quem é o novo papa, o nome que escolheu, de onde vem e que jeito ele tem. De origem canadense e espanhola, nascido em Chicago (EUA), onde estudou e se tornou religioso da Ordem de Santo Agostinho. Depois, fez um doutorado em Roma, foi ser missionário no Peru, foi superior geral de sua Ordem em Roma por 12 anos e chegou a ser bispo por vários anos no Peru, na diocese de Chiclayo. Em 2023, o papa Francisco o chamou a Roma para ser prefeito do Dicastério para os Bispos. Leão XIV não será um semideus nem detentor de soluções mágicas para todos os problemas. Mas possui vasta vivência da Igreja e da cultura dos povos, e convocará todos a serem testemunhas da presença e da ação de Deus no mundo. E isso pode reacender a esperança para o mundo em todos os sentidos.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo Metropolitano de São Paulo

Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 10 de maio de 2025