Há poucos dias, foi publicado o relatório anual sobre a liberdade religiosa no mundo. A iniciativa é do observatório da liberdade religiosa ligado à Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN). O relatório, extenso, com uma imensidade de dados e análises, pode ser acessado no portal dessa mesma entidade.
Conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos” (artigo 18). A liberdade religiosa é um direito fundamental e um benefício para todos, permitindo que pessoas de diversas crenças e visões de mundo convivam e edifiquem a fraternidade e a paz.
A liberdade religiosa está estreitamente relacionada com outros direitos humanos essenciais, como a liberdade de consciência, de opinião, de reunião e de associação. Por isso, quando essa liberdade é violada ou reprimida, não se faz violência apenas à liberdade individual e à dignidade da pessoa, mas fere-se um dos fundamentos da convivência social e do bem comum. A liberdade religiosa não é privilégio de alguns, mas um direito de todos e de todas as religiões; e também de quem não tem religião. Ela assegura às pessoas o direito de seguirem sua própria convicção, sem coação de ninguém, nem do Estado, que tem o dever de tutelar a liberdade religiosa e de assegurar a todos os cidadãos o livre exercício desse direito fundamental.
No entanto, não é bem assim que se apresenta a situação atual no mundo em relação à liberdade religiosa. São quase dois terços da humanidade, mais de 5,4 bilhões de pessoas, que vivem em países onde há violações mais ou menos graves da liberdade religiosa. Ao todo, 64,7% da população mundial vive sob regimes que praticam perseguição religiosa, concentrados sobretudo em 62 países. Esses países estão majoritariamente na Ásia (China, Índia, Rússia, Paquistão), no Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã) e em muitos países da África. Na América, a situação da Nicarágua chama a atenção, mas também a do México e da Venezuela. Em 46 países do mundo, a blasfêmia ainda é punida de alguma forma; e, em 13 deles, a punição pode significar prisão perpétua e até pena de morte. Em muitos países existem leis severas contra a conversão a outros cultos não oficiais. Os cristãos são, de longe, o grupo religioso mais perseguido no mundo.
A violência contra a liberdade religiosa pode ter formas mais graves, como a aberta proibição da prática religiosa, com a possibilidade de encarceramento, tortura e até morte por causa da convicção, ensino ou prática religiosa. Há casos onde a simples posse de um livro religioso ou de um sinal religioso é proibida e representa um crime.
Outras situações de violência contra a liberdade religiosa são as múltiplas formas de intolerância religiosa, as ameaças, discursos de ódio contra a religião, incitação à violência, intimidação, vandalismo contra lugares e objetos de culto.
Há formas diretas de discriminação religiosa, quando um Estado impõe uma religião oficial e, como consequência, proscreve ou criminaliza as demais religiões, sendo seus adeptos considerados cidadãos sem direitos, ou de segunda classe. Há violação grave da liberdade religiosa quando há perseguição política dos adeptos de alguma religião ou grupo religioso, mediante a negação à sua participação na vida política em qualquer expressão ou nível. Em casos extremos, ocorrem massacres de grupos inteiros de praticantes de alguma religião, como tem acontecido recentemente em países da África e da Ásia.
Discriminação religiosa também ocorre quando os adeptos de religiões enfrentam dificuldades no acesso aos elementares direitos de cidadania, como serviços públicos, educação, saúde, segurança ou trabalho e à posse de algum bem imóvel. A liberdade religiosa também é violada quando um Estado não oferece garantias de proteção e segurança aos praticantes de religião, aos seus ritos, objetos e lugares de culto. As situações mais graves de violência religiosa ocorrem, geralmente, onde há governos autoritários, que adotam políticas claramente contrárias à liberdade religiosa, e por conta de grupos religiosos extremistas.
O relatório da ACN, de 2025, sobre a liberdade religiosa no mundo revela uma situação muito preocupante. Em relação a essa violência, pouco se tem falado; os massacres recentes de cristãos na Nigéria e em outros países da África e da Ásia nem ganharam as manchetes dos noticiários. É necessário informar e tomar consciência dos fatos. Ao lado disso, não há alternativa: promover o diálogo respeitoso, construir pontes em vez de levantar muros e chamar as religiões para, junto com a glorificação de Deus, colocarem-se a serviço do bem da humanidade.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Artigo publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 8 de novembro de 2025
