Somos mortais, nossa vida é preciosa, mas frágil, e todos morreremos um dia. Desde que o homem existe, tem sido assim e não será diferente conosco. Mesmo que não queiramos, é certo que também nós morreremos, dia mais, dia menos. O dia de Finados nos coloca diante desse fato da vida e nos faz refletir. Num túmulo de certo cemitério, lia-se o seguinte epitáfio: hodie mihi, cras tibi (hoje, eu; amanhã, você).
Se não podemos escapar da morte, como nos posicionamos diante dela? Talvez, simplesmente, ignoramos o fato e vamos vivendo, até que a morte nos surpreenda? Vivemos apavorados diante da perspectiva da morte certa? Ou nos resignamos de modo passivo, deixando que ela aconteça? Talvez procuramos um sentido para a morte para, dessa forma, orientar também a vida?
A fé cristã oferece um sentido à vida e à morte. Não é que os cristãos fiquem livres de angústia e medo diante da morte: até Jesus sentiu angústia e pavor diante da morte, a ponto de suar sangue durante a sua agonia no Jardim das Oliveiras (cf Lc 22, 42-44). Mas os cristãos podem contar com uma luz, que os ajuda a superar a angústia e o medo diante da morte a partir de uma grande certeza: Deus vive e fará viver também a todos os que se aproximam dele e creem nele. Deus não nos fez existir para, depois, nos aniquilar, mas para nos dar vida em plenitude.
As palavras do justo Jó, leproso e questionado pelos amigos sobre a sua fé inabalável em Deus, responde com essas palavras sábias: “eu sei que meu Redentor vive e que, no fim de tudo, ele se erguerá sobre este pó. (…) Eu o verei, eu mesmo, e meus olhos o contemplarão, e não os olhos de outro” (Jo 19, 25.27). Com a morte, o corpo volta ao pó da terra; mas a morte corporal não é o fim de tudo e não tem a última palavra sobre a nossa existência; a alma espiritual não morre e, no tempo aprazado a Deus, corpo e alma, unidos novamente, participarão da glória celeste com Jesus ressuscitado.
A revelação divina, na Sagrada Escritura, sobretudo nas palavras de Jesus Cristo, nos dá a firme certeza de que Deus tem mais vida para nos dar, além da vida neste mundo. Jesus o prometeu de muitas maneiras. Na ressurreição do amigo Lázaro, ele disse a Marta, a irmã do falecido: “eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá” (Jo 11,25-26). No discurso sobre o pão da vida, no evangelho de São João, Jesus promete: “eu sou o pão da vida. Quem come deste pão, tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 53-54). Ao bom ladrão, crucificado ao seu lado, Jesus promete: “hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 42-43).
Nossa fé em Deus, por meio de Jesus Cristo, fundamenta nossa profunda esperança na vida eterna. Na comemoração de Finados, neste ano jubilar “da esperança”, reavivemos nossa esperança nas promessas de Deus e na vida eterna, o que dá um sentido novo à nossa existência. Vivemos e seguimos na vida, não para morrer, mas para viver eternamente. Isso não é obra do homem, mas de Deus salvador. Somos peregrinos dessa esperança, que não nos ilude (cf Rm 5,5).
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
