Aproxima-se a realização da COP-30 em Belém do Pará, com muitas propostas para a defesa do meio ambiente contra tudo o que agride a vida. É mais um esforço para superar os riscos de uma crescente e perigosa degradação ambiental e o progressivo comprometimento das condições de vida em nosso planeta. Embora sejam previsíveis alguns revezes nessa luta, é preciso seguir em frente com lucidez e determinação.
Por feliz coincidência ou por providência, neste ano, comemora-se o 10º aniversário da encíclica Laudato sì – sobre o cuidado da casa comum, do saudoso papa Francisco. A encíclica lançou luzes importantes sobre a Cúpula de Paris sobre o clima, em 2015, e suas reflexões e diretrizes seguem muito atuais. O papa sacudiu as consciências e desvinculou a questão ambiental e climática do discurso ideológico e partidário, fazendo ver que ela interessa a todos. Chamando nosso planeta de “casa comum” da família humana e de todos os seres que nele vivem, Francisco ajudou a compreender melhor que a questão ambiental, mais que interesses econômicos, envolve valores humanos e princípios morais, como a responsabilidade, a solidariedade e a justiça.
A globalização permite-nos hoje perceber melhor do que em outros tempos que o mundo, sobretudo nosso planeta Terra, por grande que seja, é uma “aldeia global”; nele, tudo está interligado e uns dependem dos outros para o bem e para o mal. Os cientistas mostram de forma cada vez mais clara que o mesmo também ocorre na natureza, onde todas as coisas dependem umas das outras.
Na primeira semana de outubro, a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) promoveu a Semana Nacional pela Vida para difundir a cultura da vida e a consciência sobre o valor único de todas as formas de vida. Elas são expressão da sabedoria do Criador e precisam ser respeitadas. Valor e respeito maiores ainda merece a vida humana, tantas vezes exposta a risco e a violências. As guerras, as muitas formas de abuso contra a pessoa, a miséria degradante e a fome são formas de vilipêndio à vida humana.
Completando as manifestações da Semana pela Vida, comemorou-se o Dia do Nascituro, em 8 de outubro, para valorizar as mães gestantes e seus filhos ainda não nascidos. É importante proteger a vida das crianças já nascidas e das pessoas adultas; quanto mais é necessário acolher e proteger os seres humanos frágeis e indefesos, que ainda estão por nascer! Lamentavelmente, custa a ser reconhecido que eles são seres humanos com dignidade e direitos. A legislação os desprotege cada vez mais, entregando sua sorte ao arbítrio até de quem atenta contra sua vida, negando-lhes o mais fundamental de todos os direitos.
Ao falar de defesa da vida humana, não se pode passar ao largo da questão dolorosa do aborto. A inviolabilidade do direito à vida humana está assegurada na Constituição federal e a posição da Igreja Católica é de desaprovação moral clara e inequívoca do aborto provocado. Causa grande perplexidade a pretensão de transformar essa prática num direito humano a ser assegurado e protegido pelo Estado.
Horror dos horrores é a prática do aborto de bebês com mais de 22 semanas de gestação mediante a assistolia fetal. Esse modo de matar bebês antes que sejam expulsos do útero consiste na introdução de uma agulha no coração do bebê para lhe aplicar uma solução de cloreto de potássio, causando grave arritmia e dores fortíssimas, matando o bebê em pouco tempo. E pensar que o emprego desse método para provocar a morte de animais está vetado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, por ser cruel e extremamente doloroso! Em vários países, onde existe a pena de morte, ele também não pode ser usado para executar condenados.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), com a Resolução 2.378, de 2024, proibiu a assistolia fetal na prática de abortos, justamente por ser desumano. Mas a resolução foi contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) por um partido político, alegando que o CFM não podia impor tal veto aos médicos, por ser contrário ao “direito ao aborto legal”. Por decisão monocrática no STF, a resolução do CFM foi suspensa liminarmente e o aborto por assistolia fetal segue ocorrendo.
Centenas de bebês com mais de 22 semanas de gestação continuam a ser mortos no ventre de suas mães dessa forma cruel, condenados à morte por crimes que não cometeram. Muitos deles já poderiam viver fora do útero materno; mas o objetivo é assegurar que eles estejam bem mortos antes de virem à luz, para não protestarem com um leve chorinho contra quem os agrediu. Quem investiga esses abortos para se certificar de que os bebês assim eliminados são, de fato, frutos de estupros?
Por que o mundo é capaz de se mobilizar para ouvir o grito da Terra na COP-30 e não escuta um chorinho de bebê agredido até à morte? Por que o inocente precisa pagar pelo culpado? No mundo minimamente civilizado dos adultos isso não é aceito. O estuprador precisa ser responsabilizado. A mulher que sofreu violência pode e deve ser ajudada. E um bebê inocente e indefeso submetido à morte violenta?
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Artigo publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 11 de outubro de 2025