As questões ambientais não são alheias às preocupações da Igreja Católica. A Campanha da Fraternidade, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), já dedicou bem oito de suas edições a questões relacionadas com o ambiente. Em 1979, com o tema “por um mundo mais humano, preserve o que é de todos”, tratou da responsabilidade humana na questão ambiental. Preservar e cuidar do que é de todos faz o mundo ser mais humano.
Com o tema “terra de Deus, terra de irmãos”, abordava-se, em 1986, a questão da posse e do uso da terra, que deveria propiciar fraternidade e justiça social, mas tantas vezes tornou-se palco de violência e sangue em função da má distribuição da terra. O problema ainda não está superado e, a cada ano, sucedem-se os relatos de violência no campo, motivada pela luta pela posse e uso da terra.
A Campanha da Fraternidade de 2004 trouxe à reflexão o tema da água, “fonte de vida”, abordando questões que seguem atuais, como a contaminação, o desperdício e o risco de escassez de água potável, a privatização dos mananciais e das reservas hídricas. Aquela Campanha da Fraternidade, que foi ecumênica, propunha que a água deveria ser reconhecida como um bem comum e um direito de todos, já que é essencial à vida. Muitos países já adotaram em sua legislação essas convicções.
A temática ambiental voltou em 2007 (“fraternidade e Amazônia”) e em 2011 (“fraternidade e vida no planeta”). Ambos os temas são de grande atualidade, bastando ver a tragédia da destruição da Amazônia, que avança a cada ano, e o aquecimento global, que já provoca desastres quase apocalípticos em várias partes do mundo. A vida, em todos os sentidos e manifestações, precisa ser cuidada por todos. É questão de justiça e de fraternidade. Contrariamente, nosso planeta azul, por enquanto, único ambiente da vida no imenso universo, ficará desértico, e nós mesmos seremos vítimas do nosso descaso com as questões ambientais.
Em 2015, o papa Francisco publicou a encíclica “Laudato sì, sobre o cuidado da casa comum”, dedicada integralmente aos cuidados do planeta Terra, ao qual chamou de “casa comum” de toda a família humana e das manifestações mais variadas da vida. Essa casa é para todos e, por uma questão de fraternidade e de justiça, ninguém deve ser excluído dela. Ao mesmo tempo, para que ela possa continuar a abrigar e nutrir a todos, o cuidado dessa casa envolve a todos. A encíclica de Francisco foi repercutida pela Campanha da Fraternidade de 2016 (“casa comum, responsabilidade nossa”), ressaltando o direito de todos a terem parte nos bens da natureza para viver e, ao mesmo tempo, o dever de cuidar desses bens, para que não se esgotem e sigam servindo a muitos no pressente e no futuro.
A campanha de 2016 ocupou-se com o cuidado e a defesa dos biomas brasileiros, com sua riqueza de vida. O avanço inconsequente sobre os recursos naturais desses biomas leva à sua gradual destruição, com sua riqueza de vida animal e vegetal, depois de existir por milhares de anos. A relação humana irresponsável em relação à natureza leva o próprio homem a se tornar vítima do descontrole da natureza ferida. Já são milhões os refugiados das crises ambientais, atingidos pela fome, sede e catástrofes naturais, como as grandes enchentes e temporais devastadores.
Em 2025, com o tema “fraternidade e ecologia integral”, a campanha traz uma nova reflexão sobre a temática ambiental, destacando que, no centro da questão ambiental, está o homem, com suas convicções e ações. Uma visão utilitarista sobre a questão ambiental dificilmente levará solução aos desequilíbrios ambientais provocados sobretudo pelo próprio homem. Enquanto nos relacionarmos com o ambiente e a natureza para satisfazer nossos desejos e para nosso proveito imediato, sobretudo econômico, continuaremos a destruir a natureza.
Uma concepção materialista enxerga no ambiente apenas um conjunto de bens desfrutáveis pelo homem, sem outro significado. Dessa maneira, se desconhecem as dimensões solidária e ética da questão ecológica. O desinteresse e a ignorância proposital em relação às questões ambientais e, pior ainda, o negacionismo levam a seguir cometendo erros que comprometem seriamente o delicado equilíbrio ambiental.
“Deus viu que tudo era muito bom (Gênesis 1,31).” Esse texto bíblico faz parte do poema da criação do mundo e ilumina a reflexão desta Campanha da Fraternidade. Deus fez bem todas as coisas, dando a tudo uma lei interna que mantém a harmonia e o equilíbrio entre as criaturas. O texto faz pensar que tudo aquilo que chamamos de ambiente tem origem e finalidade que vão muito além daquilo que nós possamos querer da natureza, ou impor a ela. É o homem que deve parar um pouco e pensar sobre as suas relações com o ambiente. Cabe-lhe zelar por esse presente de Deus, que são a natureza e o planeta, nossa casa comum. A questão ambiental está em nossas mãos e precisa ser tratada a partir de valores compartilhados e de mudanças comportamentais.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Artigo publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 8 de fevereiro de 2025