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Alegrias e esperanças

No próximo dia 8 de dezembro completam-se 60 anos da conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II, certamente o evento mais importante da Igreja Católica nos últimos 500 anos de sua história bimilenar. Convocado pelo papa São João XXIII em 25 de dezembro de 1961 e iniciado em 11 de outubro de 1962, o Concílio contou com a participação da quase totalidade do episcopado católico. Em 1963, entre a primeira e a segunda sessão, faleceu o papa João XXIII e São Paulo VI, eleito seu sucessor, deu continuidade aos trabalhos conciliares.

O Concílio, reunindo o episcopado inteiro com o papa, é a instância mais alta da autoridade na vida da Igreja. Após três anos de intensas reflexões, com a produção de 16 documentos sobre diversos aspectos da vida e missão da Igreja, a grande assembleia foi concluída em 8 de dezembro de 1965. Começava, então, a interpretação e aplicação das diretrizes conciliares, trabalho que ainda segue 60 anos depois. O Concílio desencadeou um processo amplo de renovação e atualização na Igreja.

Entre todos os documentos conciliares destaca-se a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (A Alegria e as Esperanças), promulgada às vésperas da conclusão do Concílio, no dia 7 de dezembro de 1965, por São Paulo VI. É o documento mais extenso e um dos mais relevantes do Concílio, tratando da presença da Igreja no mundo contemporâneo.

Uma comissão formada logo no início do Concílio e integrada por especialistas em teologia, antropologia, sociologia e várias outras ciências, trabalhou arduamente até levar o texto ao plenário do Concílio.

Os temas eram de grande interesse, mas também motivo de tensão entre as diversas alas de pensamento no episcopado. Finalmente, após três anos de reflexões e depois de receber milhares de contribuições dos membros do Concílio, o texto foi aprovado por 2.309 dos 2.391 votantes, recebendo apenas 75 votos contrários e sete votos nulos. Essa aprovação expressiva mostra como, apesar das mentalidades diversas dos participantes do Concílio, o texto foi considerado voz oficial da Igreja sobre as questões abordadas.

Com esse texto, o Concílio marcou uma nova fase nas relações da Igreja com o mundo, definidas pelo próprio papa Paulo VI como “encontro entre Cristo e o homem moderno e da Igreja com o mundo contemporâneo, não para dominar a sociedade nem para dificultar o autônomo e honesto desenvolvimento de sua atividade, mas para iluminá-la, sustentá-la e consolá-la” (Mensagem de Natal de 1965). Esse propósito já aparece nas palavras iniciais do texto: “A alegria e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (n.º 1).

O Concílio realiza um passo importante para superar a separação entre Igreja e sociedade e com todas as realidades humanas, com as quais ela certamente, permanece distinta, mas não separada nem necessariamente oposta. A Igreja está inserida no mundo e na vida da humanidade e exerce no meio dela a sua missão, para participar da edificação do mundo com sua mensagem e mediante a atuação de seus membros. Os filhos da Igreja são, ao mesmo tempo, membros da sociedade e, nela, vivem e expressam sua fé e suas convicções, colaborando para realizar o bem comum juntamente com tantos outros, embora possam ter convicções diferentes.

Os temas tratados são densos e visam iluminar as interrogações humanas e as buscas da sociedade. Logo no início, trata-se da condição do homem no mundo atual, confrontando as suas legítimas aspirações com as situações sociais, políticas, econômicas e culturais profundamente mudadas e os desequilíbrios do mundo moderno. Uma grande atenção é dada à dignidade humana, abordando diversos aspectos característicos dessa dignidade inigualável e irrenunciável. A questão da liberdade e a aspiração à vida e à felicidade são confrontadas com o mistério da morte e a busca de Deus. A Igreja deseja contribuir para a busca de respostas mediante a luz da fé cristã baseada no Evangelho.

Mas as questões não acabam por aí: a Constituição Gaudium et Spes trata da comunidade humana e do significado da índole comunitária da existência humana, da interação entre pessoa e sociedade, da promoção do bem comum, dos direitos e deveres universais, da dignidade comum a todas as pessoas, da justiça e solidariedade social. Ao tratar do sentido da atividade humana, aborda a questão da justa “autonomia das realidades terrestres” (n.º 36), da vida econômica e social, das injustiças e, enfim, da superação das guerras, da dignidade da família e da busca da paz estável. Esse documento é fundamental para compreender muitas posições da Igreja nos últimos 60 anos. Ao contrário do que possa parecer, ela não é uma instituição puramente voltada “para o espiritual”, mas volta-se para a pessoa humana integralmente considerada e seu bem nesta vida, sem deixar de lhe anunciar a esperança de bens ainda maiores.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo Metropolitano de São Paulo

Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 13 de setembro de 2025