Neste ano, transcorre o 10.º aniversário da encíclica Laudato si’, do papa Francisco. O documento representa o pronunciamento mais importante do magistério pontifício sobre as questões ambientais e a crise climática que o mundo atravessa. Vários conceitos usados na encíclica estão sendo absorvidos amplamente nas reflexões correntes sobre a temática ambiental, e não apenas em círculos religiosos.
O planeta Terra é a “casa comum” da família humana inteira e de todos os seres que nela existem. Essa casa abriga, nutre, alegra e constitui o espaço da convivência e da construção das relações mútuas. Ela está entregue ao homem para que zele por ela com responsabilidade, senso de justiça e solidariedade, visando ao bem de todos, e não apenas ao interesse particular. Nela, tudo está interligado e a sorte de cada um está ligada à sorte dos demais.
A preocupação da Igreja Católica com as questões ambientais está presente nos ensinamentos dos papas mais recentes; também Leão XIV, já nos primeiros dias de seu pontificado, mostrou-se atento ao tema. E não é para menos. Dez anos depois da assinatura do Acordo de Paris, em que 195 países assumiram compromisso para limitar o aquecimento global em 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, essa meta já foi ultrapassada, chegando a 1,55 grau Celsius em 2024. Por vários motivos facilmente identificáveis, países entre os mais poluidores do mundo, pouco ou nada fizeram para enfrentar essa urgência preocupante.
No próximo mês de novembro, na Conferência sobre o Clima (COP-30), em Belém (PA), representantes de muitos países estarão aprofundando a reflexão sobre a questão ambiental e suas implicações para as mais diversas dimensões da vida na Terra. A Igreja Católica participará do evento com uma representação da Santa Sé e do episcopado brasileiro, além de diversas organizações eclesiais, com o objetido de contribuir para o bom êxito da conferência.
No dia 1.º de julho passado, foi publicada uma manifestação conjunta, em preparação à COP-30, dos Conselhos Continentais das Conferências Episcopais católicas apostólicas romanas da América Latina e Caribe, África e Ásia. Os cardeais presidentes dessas entidades continentais apelaram por justiça climática na “casa comum” e chamaram a uma verdadeira “conversão e transformação ecológica”. Com os cientistas, eles alertaram, mais uma vez, para as necessárias mudanças na interação do homem com o ambiente, para não tornar irreversíveis os danos já causados e que tendem a se avolumar cada vez mais. Diante do grave risco da destruição das condições de vida e do futuro do planeta, urgem decisões e atitudes compartilhadas pela comunidade internacional.
Os presidentes desses organismos católicos continentais do Sul do mundo advertiram para o risco de um colapso climático e ambiental, que já se preanuncia, e para o negacionismo diante do problema do aquecimento global e chamaram a atenção para as soluções inadequadas e insuficientes diante do problema ambiental. Lamentaram também que os efeitos danosos das mudanças climáticas recaiam principalmente sobre as populações pobres e vulneráveis do mundo, que são as que menos contribuem para desencadear os graves problemas que já se fazem sentir.
Na declaração, os cardeais pediram que as disposições do Acordo de Paris sejam respeitadas, especialmente pelos países mais ricos, que poderiam pagar sua dívida ecológica mediante o financiamento climático efetivo e justo, sem endividar ainda mais os países mais pobres. A promoção de uma verdadeira justiça ambiental precisa passar pela renúncia ao uso dos combustíveis fósseis e à pretensão do crescimento econômico ilimitado à custa do “consumo da natureza”. A questão climática e ecológica também requer uma nova governança, uma vez que o fenômeno não observa limites territoriais e nacionais e afeta a todos.
A esperança para enfrentar as graves questões ecológicas passa pela conversão ecológica profunda e pela difusão cada vez mais ampla de uma ecologia integral, que tenha em vista o cuidado da natureza, mas também da pessoa e a formação de uma saudável consciência ambiental. Fato significativo, nesse sentido, foi a aprovação, pelo papa Leão XIV, no dia 9 de junho passado, de um formulário de celebração da missa “pelo cuidado da criação”.
Na percepção cristã, a questão ambiental envolve também a vivência da fé e a relação do homem com Deus. Primeiramente, porque se entende que a natureza e o mundo, como um todo, são obra boa de Deus Criador, entregue aos cuidados do homem. Por outro lado, entende-se que os problemas ecológicos e ambientais também dependem das escolhas humanas e, por isso, envolvem sua responsabilidade moral. Muitos problemas surgem quando o homem quer ser Deus e tomar o seu lugar, não reconhecendo os próprios limites e responsabilidades em relação ao trato com os outros e com o mundo.
E, então, é preciso rezar pela conversão do coração e pedir a proteção de Deus para a sua obra. Não somos senhores do mundo, mas seus administradores.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 12 de julho de 2025