A Semana Maior e o triunfo da esperança

Todas as semanas do ano têm a mesma duração. Para a piedade católica, porém, a Semana Santa é a Semana Maior, por vários e bons motivos. Iniciando no Domingo de Ramos e culminando com o Domingo da Páscoa, o povo cristão acompanha misticamente os últimos dias vividos por Jesus na Terra, sobretudo, seus padecimentos, morte na cruz, sepultamento e ressurreição gloriosa.

Não se trata de simples recordação de fatos passados: os eventos lembrados e celebrados envolvem as raízes profundas da fé religiosa cristã, em que a memória se mistura com a profissão de fé, o louvor, o pedido de perdão e o agradecimento por aquilo que Deus realizou e segue realizando. Quem celebra a Semana Santa não pratica apenas ritos, mas sente-se profundamente envolvido naquilo que é celebrado.

No Domingo de Ramos, o povo acompanha o ingresso de Jesus em Jerusalém, aclamando com cânticos e louvores, ramos verdes nas mãos, saudando antecipadamente o triunfo do reinado de Deus e da vida sobre a morte. A celebração da Quinta-feira Santa, recordando a última ceia de Jesus com seus apóstolos, é um momento marcante para os cristãos. Jesus celebrou a ceia pascal judaica, conforme a tradição do seu povo; porém, introduziu um significado novo naquele rito, instituindo a Eucaristia como memorial perene de sua paixão, morte e ressurreição.

No pão que abençoou e repartiu com os apóstolos durante a ceia, Jesus ofereceu a si mesmo, seu corpo entregue sobre a cruz por amor à humanidade. E no vinho que lhes distribuiu no cálice, ele entregou seu sangue derramado na paixão, para que todos tivessem remissão e vida por meio dele. Quando os cristãos celebram a Eucaristia, fazem-no em memória de Jesus Cristo (ver Lucas 22, 14-20), de tudo o que Ele significa para eles e para o mundo.

Ao final da última ceia, Jesus realizou um gesto desconcertante, que os discípulos custaram a entender. Ele lavou os pés deles e explicou: Compreendestes? Se eu, que sou vosso mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa (ver João 12,12-15). Toda a vida de Jesus, mesmo a dura paixão que sofreu, foi um serviço de amor pela humanidade: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (ver João 10,10). Após a última ceia, Jesus despediu-se dos discípulos e lhes fez suas últimas recomendações: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (ver João13,34-35).

A Sexta-Feira Santa é dedicada a rememorar os passos da paixão e morte de Jesus: sua prisão, o julgamento religioso diante dos sumos-sacerdotes Anás e Caifás, as torturas e humilhações, o julgamento diante das autoridades romanas, a injusta condenação à morte, o caminho doloroso até o Gólgota, a crucificação e a morte. Os relatos evangélicos da paixão, morte e ressurreição de Jesus muito provavelmente foram as primeiras partes escritas dos Evangelhos. Os cristãos das primeiras gerações já faziam algo semelhante ao que ainda hoje se faz no tríduo pascal: narravam os passos da paixão de Jesus e, talvez, também os encenavam.

Na celebração da Sexta-Feira Santa há o momento especialmente intenso, quando os participantes, após terem ouvido o relato da paixão e morte de Jesus, são convidados a externar um gesto de gratidão e homenagem a Jesus diante do crucifixo exposto à sua devoção. É o momento de dizer no íntimo do coração: foi também por mim que ele aceitou morrer na cruz. Não se trata de cena teatral, ou de mero gesto estético, mas de mística profunda, em que cada um pode expressar seu envolvimento na ação celebrada.

O Sábado Santo, para os cristãos, é dia de reflexão e vigília junto da sepultura de Jesus, que experimentou o mistério da morte, o mesmo que também nos angustia. As interrogações e a profunda perplexidade que a morte nos causa têm uma resposta cheia de esperança: o túmulo ficou vazio; Jesus venceu a morte. O Sábado Santo convida a refletir sobre o sentido da vida e da morte à luz da morte e ressurreição de Jesus.

A vigília pascal, no Sábado Santo à noite, é marcada pela luz e a certeza de que a morte não tem a última palavra sobre a existência, porque o Autor da vida venceu a morte e ressuscitou Jesus dentre os mortos. Nesta “mãe de todas as vigílias”, a Igreja celebra e espera o alegre anúncio da ressurreição de Jesus e do seu triunfo sobre o mal e a morte.

Durante a vigília, leem-se trechos da história da salvação, na Bíblia, e se renovam as promessas do Batismo. No final, ainda durante a noite, já se celebra a solene liturgia pascal, que segue durante todo o Domingo de Páscoa da Ressurreição, marcado pelo alegre anúncio da ressurreição de Jesus. É o primeiro de todos os domingos.

A Semana Maior poderia parecer carregada de tonalidades tristes; em vez disso, porém, ela é a celebração sempre renovada da esperança e o anúncio do amor salvador de Deus pela humanidade: “Deus amou tanto o mundo, que lhe entregou seu Filho único para que não pereça todo aquele que nele crer, mas tenha a vida” (ver João 3,16).

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo

Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 12 de abril de 2025