ECO DEBATE - FAMA 2018

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21/03/2018 - 08:00

LAUDATO SI'

Estamos vivendo tempos difíceis na nossa casa comum, no nosso planeta Terra, que na verdade deveria ser nomeado de “planeta água”. Muitos de nós não paramos ainda para pensar quando bebemos um copo d’água, tampouco damos importância para este líquido que nos mantém vivos desde o ventre de nossas mães. Os seres humanos podem morrer se ficarem sem ingerir algum tipo de líquido durante três dias (sim! Três dias é o suficiente).

A água é tão essencial para a vida do nosso planeta, que em alguns lugares dele ela já e motivo de guerras para garantia de poder. Nos dias atuais quem tem poder manda no outro, coordena a vida alheia. Na questão da água isso se evidencia ainda mais, pois sede todo ser vivo da terra sente, embora nem todo  ser vivo da terra tenha acesso a esse recurso natural por estar sendo destruído e compilado por alguns senhores feudais da água.  Apenas por motivo de sede dos seres vivos a água deveria ser acessada por todos sem discriminação de raças, cores ou etnias, mas hoje isso acontece ao contrario. Temos donos das águas, donos esses que comercializam um bem natural privando principalmente os mais pobres ao acesso deste recurso.

Não é de hoje que muitos estudiosos e ambientalistas vêm chamando nossa atenção sobre a escassez deste recurso. O papa Francisco dedicou uma encíclica inteira para falar de ecologia, nos chamando atenção e nos fazendo reconhecer o planeta como nossa casa comum. Nesta encíclica, chamada  Laudato Si, ele cita precisamente 47 vezes a palavra água, deixando bem claro em suas escritas a importância  sagrada deste recurso para a vida do planeta.  A escassez da água mexe diretamente na vida das pessoas, porém os que primeiro vão sofrer com isso, bem evidenciado na encíclica, são os pobres. Estes já sentem parte da ganancia das grandes indústrias e do agronegócio, que são responsáveis diretos pelo consumo de mais de 70%  da água doce no mundo, em especial no Brasil. Caso a exploração da água doce continue nestes modelos dentro de poucas décadas sofreremos impactos ambientais que atingirão milhões de pessoas em todo planeta.

Nos próximos dias vai acontecer o 8º Encontro Mundial da Água, encontro esse promovido pelas grandes indústrias internacionais, com único desejo de tirar das mãos da maioria o único recurso natural que garante a vida e a existência dos seres humanos no planeta.  O encontro internacional acontece desta vez no Brasil, na cidade de Brasília, obviamente não é por motivos de solidariedade que nosso país recebe um evento de tamanha “importância”. Mas é bem possível que deste encontro as grandes empresas do mundo, principalmente as que movimentam o agro negócio, tomem de fato ainda mais conta da água. Sabemos que não querem apenas as águas visíveis, mas estão de olho em nosso maior patrimônio universal, que abrange uma fatia enorme do território brasileiro: O Aqüífero Guarani. As grandes empresas, como Nestle e Coca Cola, e os maiores latifundiários grileiros de terras indígenas, responsáveis pelas maiores plantações de monoculturas do Brasil querem se tornar donos das águas subterrâneas do Brasil e da América Latina, para assim continuarem concentrando suas riquezas as custas da exploração de trabalhadores do Brasil e do mundo.

No mesmo período os movimentos sociais do país se juntam e organizam o FAMA - Fórum Alternativo da Água. Fórum esse criado e organizado pelo povo e seus movimentos sociais, com intuito de chamar a atenção para essa questão e questionar a legitimidade deste Fórum Mundial da Água. O FAMA se apresenta como espaço político para promoção da discussão sobre o problemas relacionado ao tema em escala global, envolvendo governos e sociedade civil, dizendo “não” ao Fórum Mundial da Água. É momento de  apontar  a falta de independência, representatividade e legitimidade do conselho organizador, por estar comprometido com empresas que tem como objetivo a mercantilização da água. Lembrar que isso significa um conflito instransponível entre interesses econômicos e o direito fundamental e inalienável à água, bem comum da humanidade e de todos os seres vivos, é imprescindível.

O FAMA além de dizer “não” à venda da nossa água ao agro negócio, tem também o dever, de denunciar as grandes empresas como Nestle e Coca cola, que são uma das responsáveis pela poluição dos nossos rios e mares, levando   dejetos e rejeitos para nossas águas, dificultando e encarecendo o custo da limpeza da mesma e dos efluentes gerados nestas indústrias.

Ainda na Laudato Si, o papa Francisco chama também nossa atenção sobre o impacto causado nos lençóis freáticos pelas atividades extrativas agrícolas  e industriais. É preciso que também seja chamada atenção para que os países desprovidos de regulamentações ambientais fiscalizem ainda mais as fabricas e indústrias químicas, principalmente as de detergentes e produtos químicos não biodegradáveis, pois em muitos lugares do mundo, em especial no Brasil, continuam descartando seus efluentes gerados sem tratamento adequado nos nossos córregos e rios. É preciso que olhemos para a causa da preservação da água como processo de saúde pública. A falta de saneamento básico, como vimos na CF 2016, é causa da morte de milhões de pessoas. Sabemos historicamente muita gente se martirizou pela luta e defesa deste recurso, que teimam em querer privatizar, seja através do saneamento básico, como querem os grandes pensadores neoliberais, ou pela venda dos aquíferos. É preciso que entendamos que para eles quanto mais impactos sofrerem nossas águas, mais eles fundamentam sua privatização. O papa Francisco na Laudato Si ressalta que muitas distribuidoras de águas estaduais do nosso país estão em processo de estudo para sua privatização ou concessão para iniciativa privada. 

Na campanha da fraternidade de 2017 quando estudamos nossos biomas, vimos a importância da água para cada um deles e como cada um deles se ajudam mutuamente. Porém vimos também que, por falta de educação ambiental, nós estamos criando uma relação cada vez mais distante com a natureza e seus recursos. É preciso resgatar nossa pertença à casa comum, n é preciso que nos juntemos aos povos, em especial aos indígenas, que tratam nossa casa comum como “casa mãe”, respeitando até a folha que cai no chão.

Por tudo isso o custo deste recurso natural tem aumentado muito em vários locais do mundo, principalmente depois de sua privatização. Sabemos que essa história de privatização não é de hoje: há décadas já é causa de conflitos em países como França, EUA, Honduras, Argentina, Israel, Palestina, Turquia, Sudão, Egito, Bolívia e Brasil. Nossa história recente de luta por conta da água nos lembra que nos anos 2000, na Bolívia, dezenas de pessoas  morreram em um protesto contra a privatização da água na cidade de Cochabamba, ficando conhecido esse momento como a Guerra da Água.

A Igreja no Brasil, pela suas pastorais e movimentos sociais, tem um papel importante nesta luta. Não somente de conscientizar, mas por ser o momento de somarmos forças pastorais e dizer “não” para multinacionais que querem ainda continuar mandando nosso bem comum. Temos que colocar em prática ensinamentos do papa Francisco, que diz que somente com união vamos conseguir defender nossa casa comum. Comunidades ao redor do mundo estão se reunindo para resistir à venda das nossas águas e é preciso que aqui  no Brasil também  nos unamos, nos organizemos na luta para juntos dizermos um grande “NÃO À PRIVATIZAÇÃO DO NOSSO RECURSO NATURAL”.

Convido vocês das pastorais e dos movimentos sociais como também toda sociedade civil organizada para nesta semana, de 17 à 23 de março que acontece FAMA  na cidade de Brasília, a mandarem suas manifestações e a reunirem seus grupos em suas bases para refletirem juntos sobre este tema tão importante para a humanidade. Não podemos nos amedrontar com as barbáries violentas que está acontecendo com nossos líderes que tombaram na luta para serem calados, mas que continuam vivos em nossas lutas e gritos. Chico Mendes e Doroti Sting sempre presentes e bem vivos na nossa caminhada!

O acesso à água é um direito humano e universal, somente com esse direito garantido com sua gratuidade é que vamos de fato honrar o dom da nossa da vida dada também gratuitamente e assim assegurarmos de vez todos os outros direitos humanos deste mundo, que tem com agente uma enorme divida social, já que negar o acesso à água aos mais pobres é negar à eles dignidade. Sem o direito à água todos e todas sequer podem reivindicar qualquer outro direito.

"A natureza pode suprir todas as necessidades do homem, menos a sua ganância".

Eder Francisco Silva
Ambientalista e Militante da Pastoral da Ecologia