Os senhores da guerra. Porque os homens vão para as guerras?

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11/04/2022 - 09:00

O mundo sempre viveu em guerra, mesmo quando pensamos estar em paz. A guerra é uma instituição. Isto significa afirmar que a guerra é estabelecida como estrutura social por lei, tem regras e cria comportamentos que nem sempre são perceptíveis no dia a dia. Pelo fato de estarmos no centro dos conflitos sociais, nos tornamos indiferentes e frios diante das situações de guerra que foram criadas e se renovam a cada dia.

A instituição guerra está ara além dos conflitos armados. É uma situação humana criada para resolver, à base do uso de armas, perseguição, medo. Questões envolvendo disputas de fronteiras, brigas étnicas e religiosas, disputas por recursos naturais e outras insanas motivações.

Os que promovem as guerras parecem desconhecer o valor da dignidade humana, pois tratam as populações com desprezo e desumanidade, espalham a insegurança e provocam deslocamentos humanitários urgentes. Geralmente, as populações ficam à mercê de ajudas de entidades que se solidarizam com os vulneráveis e frágeis vítimas da guerra.

As guerras, sendo uma instituição para além dos conflitos armados pode carregar consigo uma sensação falsa de paz e harmonia que nos é passada pelos governantes das nações. Esta falsa sensação de tranquilidade nos esconde os conflitos e as disputas humanas entre ricos e pobres, entre racistas e vítimas do racismo, entre machistas e suas presas, entre os que juram possuir alguma coisa e a grande massa sujeita a qualquer trabalho e salário para sobreviver.

O fundamento de todo ato de guerra encontra-se na luta do homem contra o próprio homem. É como que se nós nos enxergássemos num espelho e cansados de nós mesmos, resolvêssemos quebrar o espelho. É uma luta contra a nossa origem e dignidade humanas.

O episódio bíblico do assassinato de Abel por seu irmão Caim (Cf. Gn 4, 1 – 9), nos mostra a luta entre seres humanos desde a origem de nossas relações humanas. Isto demonstra que a guerra nos faz menos humanos, menos capazes de enxergar na outra pessoa sinais de fraternidade. A guerra nos afasta da possibilidade de reconciliação e de nos vermos como companheiros de viagem nessa mesma e única casa comum. Na verdade, a guerra é a prática do desrespeito à dignidade humana. É a indiferença para com os vulneráveis, pobres e anônimos que sofrem às custas das ideias paranóicas de seus governantes.

Em oposição à guerra, temos uma proposta de harmonia global que denominamos de paz. O dom da paz não quer significar somente ausência de conflitos armados televisionados. A Sagrada Escritura apresenta a definição de “paz, não como trégua antes e depois do combate, mas sim como uma situação permanente de felicidade, na qual se destacam os importantes aspectos de abundância de bens, tranquilidade e convivência harmoniosa entre os homens. A palavra hebraica para a paz é Shalom, usada como saudação e, ao mesmo tempo, como benção e esperança [...] A paz não será autêntica senão quando for, como já dizia o profeta Isaías – ‘fruto da justiça’ (Cf. Is 32, 17): justiça entre os parceiros sociais e justiça entre os povos” (Dicionário Enciclopédico das religiões. Vol. II. Vozes: 1995, p. 2010).

Com a definição de paz partindo da experiência de fé do povo judeu, fica mais fácil para compreendermos o projeto de Jesus. Na “nova lei” para a comunidade cristã, temos uma compreensão daquela que dá ibope e status. É a valorização, para o Reino de Deus, das pessoas pacíficas e pacificadoras.

Em nossos dias torna-se incompreensível a harmonização entre o ser cristão e a defesa do uso de armas e a violência. Entretanto, parece que essa contradição não está muito clara para alguns crentes. Armas, violência e guerra, não combinam com o nosso compromisso ético de defesa da vida humana e a prática da solidariedade para o exercício justo do bem comum. A prática de nossa fé cristã é uma afirmação atualizada do projeto de Jesus. Isto se torna visível nos gestos de paz e não nos gestos fomentadores de guerra, preconceitos e mortes.

Frente às guerras institucionalizadas ao nosso redor, não podemos nos acovardar. A situação em que tentam sobreviver, milhares de nossos irmãos e irmãs na miséria, no empobrecimento, no desfavorecimento, é algo gritante e alarmante. Mas, são poucas as pessoas que se compadecem. E exercem a atitude samaritana de enxergar o sofrimento da outra pessoa, sentir-se no lugar do sofredor e prestar o serviço da caridade de forma incondicional.

Jesus é a nossa paz (Cf. Ef 2, 14). E quando nos propomos segui-lo, assumimos a tarefa de praticarmos a não violência, o perdão aos inimigos, de sermos pessoas que buscam a paz e a oferecem aos outros. Vivamos na contramão da sociedade que suscita focos de guerra permanentes e cada dia mais eficazes contra a dignidade da pessoa humana. Eis o projeto que deverá estar presente em todos os ambientes sociais procurando restabelecer o bem comum entre as pessoas e os povos.

Padre Gilberto Orácio de Aguiar

Doutor em Ciências Sociais (Antropologia), PUC/SP; Mestre em Ciências da Religião, PUC/GO. Com especialização em Teologia e História; Hermenêutica Contextualizada; Espiritualidade e Doutrina Social da Igreja (Em andamento). Coordenador do Setor Conquista. Assistente Eclesiástico da Pastoral da Saúde para a Região Episcopal Belém. Professor de teologia na Escola de Teologia Pastoral do Setor Conquista e Pároco na Paróquia Imaculado Coração de Maria, Setor Conquista.