Quaresma e Anunciação do Senhor: fazer a vontade do Pai

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26/03/2014 - 00:00

A Anunciação do Senhor – 25 de março – aparentemente poderia parecer que interrompesse o nosso caminhar da Quaresma; mas não, pelo contrário, ela o reforça; revela-nos a unidade que existe entre a Paixão e a Encarnação, como duas faces da mesma moeda: a Encarnação do Verbo aponta para a sua Paixão e Morte de Cruz.

Essa unidade pode ser vislumbrada no texto proposto para ser refrão do canto de entrada dessa missa: “Ao entrar no mundo, Cristo disse: Eis-me aqui, ó Pai, para fazer a tua vontade” (Missal Romano). Esse texto pertence à Carta aos Hebreus (10,5.7). O autor sagrado retoma o Salmo 40, aplicando-o a Jesus Cristo: “Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo. Por isso eu digo: Eis-me aqui, – no rolo do livro está escrito a meu respeito – eu vim ó Deus para fazer a tua vontade”. O Filho de Deus, no mistério da sua Encarnação, afirmando que veio fazer a vontade do Pai, nos santifica pela oferenda de seu próprio corpo, “realizada uma vez por todas” (Hb 10,10), em seu mistério Pascal, mistério do rebaixamento e da exaltação do Filho de Deus, o Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14).

Também a Carta de São Paulo aos Filipenses (2,6-11), que será lida no Domingo de Ramos, fala desse mistério único do rebaixamento do Filho de Deus, realizado na sua Encarnação e na sua Morte/Sepultura. Ele, “existindo em condição divina, [...] esvaziou-se a si mesmo” e se fez homem; “humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz”.

Essa unidade do mistério da Salvação em Cristo, nós a professamos no Creio: “Foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos Céus [...] de onde há de vir”.

Portanto, na solenidade da Anunciação do Senhor, celebrada dentro da Quaresma, reconhecemos que o amor sem medidas do nosso Deus, raiz da Encarnação, encontra, na Paixão, a sua manifestação mais clara, o seu pleno coroamento.

Também nós, como Jesus Cristo, Maria e José, vamos livremente nos comprometer, nesse tempo da Quaresma, a renovar nossa disposição em ir descobrindo e realizando a cada dia a vontade de Deus. Essa conversão do nosso coração à vontade do Pai – salvar o homem e a mulher por ele criados (1Tim 2,4) – nos dá a graça de participarmos do amor misericordioso do nosso Deus, e levarmos uma vida nova, vida de filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs.

Para isso, continuemos nossos esforços por ler e meditar a cada dia a Palavra de Deus: ouvir a Palavra e tornar-se servidor de Deus, comprometendo toda a liberdade em realizar a vontade do Pai.

Nos é dado a conhecer o mistério da Encarnação do Servo Sofredor, profetizado por Isaías. A esse Servo, diz o Senhor: “Eu te chamei para a justiça e te tomei pela mão; eu te formei e te constituí como o centro de aliança do povo, luz das nações” (Is 42,6). Esses textos, chamados de Cantos do Servo do Senhor, serão lidos na Semana Santa. A Encarnação do Servo Sofredor.

Nesta semana celebramos a solenidade da Anunciação do Senhor. Os primeiros dias da Quaresma nos ofereceram a leitura do Gênesis: o pecado do primeiro Adão: desobediência… Normalmente queremos também fazer a nossa vontade…

Cristo, o novo Adão, por sua obediência até a morte e Morte de Cruz foi exaltado (cf. 2) e nos concede a graça de participarmos de sua divindade (“participar da divindade de nosso Redentor” – Coleta, Anunciação): o meu alimento é fazer a vontade do Pai (3º Domingo da Quaresma). Não seja feita a minha, mas a tua vontade… na Anunciação (2ª leitura) e na Paixão: horto – cruz (obediente até a morte e Morte de Cruz); Ele obedeceu somente a Deus, não apenas quando das tentações no deserto, mas em toda a sua vida, especialmente na “última tentação”, a hora de sua morte. Por isso, tornou-se para nós fundamento de uma vida nova. Reparou o pecado de Adão.

Somos chamados a ser solidários com Cristo na sua “obediência”, pela qual ele supera a “desobediência” de Adão e nos liberta dos laços do pecado.

São José e Anunciação do Senhor são solenidades que não interrompem a caminhada quaresmal, mas a reforçam: assim como Jesus (eis que venho, com prazer faço a vossa vontade), São José “fez tudo como o anjo do Senhor havia mandado” e Maria, na Anunciação: “Sou a servidora do Senhor… realize-se em mim a vontade de Deus”.

Servos de Deus, cumpridores de sua Palavra.

 

+ Edmar Peron,Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Belém