O Pai misericordioso e o legado olímpico

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24/08/2016 - 14:45

O Brasil viveu momentos marcantes com os XXXI Jogos Olímpicos de Verão, sediados na cidade do Rio de Janeiro, os quais permanecerão por longo tempo em nossa memória. Esta feliz constatação contrasta com os temores precedentes aos jogos, devido a incertezas com o êxito da organização, a notícias de obras inconclusas, o receio de violência, de atos terroristas e o descontentamento com gastos bilionários em contexto de crise.

Mas este evento é incomparável, trouxe mais de 11 mil atletas de 205 nações e 2 delegações especiais (Atletas Olímpicos Independentes e Atletas Olímpicos Refugiados) e cerca de 350 mil visitantes, somente nas duas primeiras semanas, os quais compuseram com os brasileiros uma esfera alegre e contagiante na cidade maravilhosa.

A audiência dos jogos, segundo preliminares do Comitê Olímpico, ultrapassou 3,5 bilhões de pessoas, a veiculação em dispositivos móveis e na internet disparou, somente a NBC contabilizou 2 bilhões de minutos, via streaming. Afinal, os melhores atletas concorrem nas olimpíadas em disputas eletrizantes, cativando os torcedores das Arenas e os espectadores distantes. Por isso, os vencedores são elevados ao “Olimpo do esporte” e à condição de heróis nacionais. O retorno financeiro de toda esta movimentação, ultrapassa os 5 bilhões de dólares.

Um evento desta grandeza deixa suas marcas por todos os cantos do planeta, sobretudo onde foi realizado, e é comum ouvir em meio às notícias dos jogos, referências ao legado olímpico. Como compreender ou mensurar o legado de uma Olimpíada?

Para a cidade sede e consequentemente, seu país, o legado se materializa na ampla exposição mundial, nas edificações à disposição da prática esportiva, nas melhorias da mobilidade, na recuperação e revitalização de espaços urbanos, nos gastos dos turistas, no incentivo para o surgimento de novos ídolos esportivos etc.

Não obstante o grande significado das conquistas elencadas, o maior legado olímpico é aquele ao qual o Papa Francisco fez alusão em sua mensagem ao povo brasileiro por ocasião dos jogos: “a realização de uma civilização onde reine a solidariedade, fundada no reconhecimento de que todos somos membros de uma única família humana, independente das diferenças de cultura, cor da pele ou religião. ”

A convivência entre os participantes nos espaços destinados à Olimpíada demonstra a possibilidade de relações respeitosas, tolerantes e solidárias, quando as pessoas são aceitas com suas particularidades de “cultura, cor de pele ou religião”. A diversidade assim acolhida e vivida, clama pela abolição de barreiras e a construção de pontes para o enriquecimento mutuo.

Esta boa-nova dos jogos olímpicos precisa ecoar mais nas sociedades do que narrativas como a elaborada pelo nadador, visando desculpar-se dos delitos por ele cometidos, sem responsabilidades. O projeto de Deus para a humanidade implica a convivência solidária entre irmãos e irmãs.

Que o testemunho dos convivas da grande festa olímpica possa inspirar as sociedades a trilharem o caminho desejado pelo Pai misericordioso, e a vencerem processos de exclusão e ressentimentos. Louvado seja Deus por suscitar eventos históricos que aproximam os povos, as culturas e as raças, e fortalecem a esperança nos corações humanos contra os desalentos.

Dom Luiz Carlos Dias

Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Belém

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - Ed. 3116/ 24 a 30 de agosto de 2016