Entrevista de D. Edmar ao O São Paulo sobre vocação: comunhão com Deus

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13/08/2014 - 00:00

O SÃO PAULO – Por que um mês vocacional?
Dom Edmar Peron
– A Igreja no Brasil procurou tematizar alguns meses para destacar o que deve ser vivido pelas comunidades em todos os meses. Por isso se deve falar das vocações quando, por exemplo, o Evangelho é aquele do chamado dos discípulos; deve-se aproveitar bem esses momentos que a própria liturgia nos apresenta para falar de vocação. Mas aquilo que é da vida cotidiana da Igreja – o cuidado com as vocações – ela destacou pastoralmente no mês de agosto; assim como as missões em outubro. Desse modo o mês de agosto recebeu algo específico: ser tido, na pastoral, como o “mês das vocações”.

O SÃO PAULO – Os testes vocacionais estão na moda. No sentido cristão, a vocação é a mesma dos testes?
Dom Edmar Peron – Os testes são importantes para mostrarem habilidades, como um auxílio às pessoas. Eles mostram tendências, pontos fortes, indicam caminhos por onde a pessoa pode “produzir mais” e ser uma pessoa bastante realizada. Porém, quando nós falamos de vocação sacerdotal, vocação religiosa e vocação ao Matrimônio, nós compreendemos que há algo a mais, algo específico, a dimensão de fé. Há, na vocação cristã, a necessidade de uma comunhão com Deus, de uma proximidade e amizade com Deus. Isso pode ficar fora dos testes vocacionais, mas, ao falarmos de vocação na Igreja, temos que situar a resposta nesse contexto de fé.

O SÃO PAULO – Vocação e “ter jeito pra coisa” tem o mesmo sentido?
Dom Edmar Peron – Penso que não. A pessoa que tem vocação, também precisa “ter jeito pra coisa”, claro. Mas, acima disso, nós consideramos que ela precisa ter e cultivar uma profunda comunhão com Deus; quem se sente chamado, chamada por Deus, precisa unir essa dimensão espiritual a algumas capacidades.
Umas serão as capacidades para viver a vocação religiosa em uma congregação cujo carisma é trabalhar com doentes, em hospitais, por exemplo. Outras capacidades serão exigidas para quem deseja viver sua vocação em uma congregação monástica, de clausura. Àquela comunhão com Deus, o terreno em que uma vocação deve ser cultivada, a gente vai acrescentar habilidades, qualidades, para que não haja um desencontro e para que a vida vocacional não seja um peso para aquela pessoa e nem para a sua comunidade. As qualidades e o chamado, na dimensão da fé, irão florescer na vida concreta da Igreja: na paróquia, na congregação, no carmelo, no mosteiro. Deus dá o dom da vocação como uma resposta à Igreja orante, e a pessoa chamada, para concretizar sua vocação, precisa também de qualidades, habilidades para responder aquele chamado; necessita, nesse caso, “ter jeito pra coisa”.

O SÃO PAULO – Muita gente pensa que vocação é só para ser padre e freira, e o senhor falou em vocação ao Matrimônio. A vida de casados também é um chamado de Deus?
Dom Edmar Peron – Quando nós falamos de vocação, falamos de uma maneira concreta de o cristão, de a pessoa batizada viver a sua fé. Então, se eu falo que a vida religiosa é uma vocação, se eu falo que o ser padre é uma vocação, eu também tenho que dizer que ser casado é uma vocação. A pessoa precisaria discernir se é chamada à vida conjugal, e não apenas se deixar levar por pressões da sociedade ou da própria família; sim, é muito importante discernir se como cristão, a pessoa se sente chamada para o Matrimônio, e se tem condições para assumi-lo. “Eu quero dividir a vida cristã com outra pessoa? Eu quero levar à fé os filhos que vão surgir desse Matrimônio, sejam gerados, sejam adotados? Quero transmitir a eles o amor a Deus e ao próximo como mandamentos centrais?… essas são algumas perguntas que alguém que pensa em se casar na Igreja deve fazer. O Matrimônio, para ser bem vivido, requer grande comunhão com Deus, uma bela experiência de fé a ser aprofundada na vida familiar. Nós acreditamos que, sob a luz da fé, aquela palavra de Paulo se realiza, ou seja, o Matrimônio de fato será um sinal concreto do amor de Cristo para com a Igreja. Naquele amor específico entre o homem e a mulher, há uma expressão do amor de Cristo para com a humanidade inteira. Se nós falamos que o padre é, diante da comunidade, um sinal sacramental de Cristo, o homem e a mulher casados são para a grande comunidade da Igreja e da família humana um sinal sacramental do amor d’Ele, amor de entrega, oblação.

O SÃO PAULO – Então, a responsabilidade da Igreja ao aceitar realizar um Matrimônio é grande…
Dom Edmar Peron – A maior responsabilidade da Igreja é fazer despertar nas pessoas que ao Matrimônio se vai também para responder a um chamado de Deus. Para muitas pessoas, precisamos reconhecer, não há nem o chamado e nem as capacidades necessárias para viver essa experiência matrimonial.

O SÃO PAULO – E como fazer para realizar esse despertar?
Dom Edmar Peron – Por primeiro a pessoa, na sua experiência familiar e comunitária, vai caminhando à luz da fé, desejosa de fazer a vontade de Deus, como Jesus, e, assim, vai percebendo que o projeto de Deus pode acontecer no jeito concreto de sua vida. Essa pessoa, portanto, faz um caminho espiritual, como pessoa iniciada na fé, e poderá dizer que tem consciência do chamado ao Matrimônio. Depois, nós temos de enfrentar essa questão apresentando o Matrimônio como vocação desde a primeira Catequese, inserindo-o no plano de salvação de Deus. E penso, também, que devemos ser claros com os namorados e com os noivos, de que o Matrimônio pertence a esse sonho de Deus para seus filhos e filhos, e não é apenas um ato social – ainda que ele também seja um grande e importante ato social, na vida de cada pessoa, das famílias e da sociedade. Se os noivos, eles tivessem consciência do verdadeiro significado do Matrimônio, muitos iriam aderir com uma alegria ainda maior à vida a dois. E outros, talvez, iriam mesmo desistir, porque não quererem assumir tal compromisso religioso.

O SÃO PAULO – Então, com esse enfoque à Iniciação à Vida Cristã que a Igreja está colocando, é possível que floresçam mais vocações?
Dom Edmar Peron – Com certeza teremos respostas dadas e assumidas mais conscientemente. A Iniciação à Vida Cristã é um processo de conversão, e quando falamos conversão não é que ela passa a ser boazinha, mas ela passa a viver como cristã, a pessoa passa cada dia a ser gente de fé e que deseja viver toda sua vida em comunhão com Deus. A seriedade dada ao processo de iniciação poderá ser um amparo muito bom para que surjam em nossas comunidades vocações para o bem da Igreja.

O SÃO PAULO – A mentalidade que faz perguntar “que vantagem eu levo” tem impedido as pessoas de se consagrarem a Deus?
Dom Edmar Peron – Sim, acredito que impede sim. A vocação nos faz configurar o coração ao coração do Cristo, que é todo doação. A vida de quem responde com consciência à vocação religiosa é uma vida de doação e não uma vida “do que eu ganho”; será uma vida “do que eu dou” e de como eu mesmo vou me dar para poder servir. Enquanto a mentalidade for a do “toma lá, dá cá”, pensando quase exclusivamente do meu próprio bem estar, será difícil acolher uma vocação específica. O triste é que esse caminho que busca apenas “ganhos”, não é um caminho de realização profunda para a pessoa humana. Vai deixar sempre a pessoa insatisfeita e na mediocridade da vida. O caminho da doação é que faz a pessoa ser feliz!

O SÃO PAULO – O que a Arquidiocese oferece para ajudar o jovem a discernir a sua vocação?
Dom Edmar Peron –Nós temos uma equipe arquidiocesana de Pastoral Vocacional, coordenada pelo padre Messias, que procura acolher quem vem. Em cada região, temos uma pequena equipe formada por pelo menos um padre, uma religiosa e alguns leigos. Contudo, temos poucas equipes paroquiais, e são justamente essas equipes que deveriam provocar, na base, a reflexão vocacional, organizar a oração pelas vocações, acompanhar as pessoas interessadas. Eis um desafio para a nossa pastoral! Por fim, quem entra no Seminário da Arquidiocese, encontrará o auxílio para o discernimento ao longo das três etapas: propedêutico, filosofia e teologia. Mas, é claro, cada pessoa, membro da Arquidiocese, é chamada a fazer a sua parte para apoiar as pessoas no seu discernimento, encaminhando-as e por elas rezando.