Líderes religiosos pedem que se respeite as múltiplas manifestações de fé

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Cardeal Scherer participa de diálogo com o Sheik Mohamad Al Bukai, a Yalorixá Mãe Carmem e o Pastor Marcos Ebeling
Publicado em: 28/06/2023 - 14:15
Créditos: Redação

No Brasil, o lançamento da 16ª edição do Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo contou com uma mesa de diálogo com lideranças religiosas, promovida pela ACN no auditório das Paulinas, em São Paulo, na sexta-feira, 23.

Um dos convidados foi o Cardeal Odilo Pedro Scherer. O Arcebispo de São Paulo lembrou que no Estado laico, como é no Brasil, o poder estatal não interfere nas religiões nem para impor uma específica nem para coibir as que existam; e que qualquer alteração que houvesse nesse sentido colocaria em risco as liberdades individuais.

O Cardeal ressaltou que hoje a perseguição religiosa em todo o mundo tem sido mais intensa do que em outras épocas, e que esta temática recebe especial atenção da Igreja Católica. Ele recordou que o Papa Francisco, ao tratar da convivência religiosa, tem enfatizado os conceitos de fraternidade universal (todos somos irmãos e filhos de um único Deus), como destaca o Pontífice na encíclica Fratelli tutti –; e de que a humanidade vive na mesma casa comum, na qual a ocorrência de brigas e conflitos são prejudiciais a todos – como é ressaltado na encíclica Laudato si’.

“E o que podemos fazer para diminuir ou melhorar essa situação de perseguição religiosa? Primeiramente, acolher as pessoas que sofrem essa perseguição, bem como defendê-las e não aceitar de modo algum a intolerância religiosa contra quem quer que seja. Não é apenas o nosso grupo religioso que interessa. Não podemos ser coniventes, tolerantes, a fatos de intolerância religiosa. Por outro lado, temos que desenvolver cada vez mais uma cultura de respeito à diversidade religiosa, o que não significa que devamos renunciar à nossa fé, mas, sim, ter respeito e acolhida a quem crê diferentemente de nós”, recomendou.
 

ACEITAR AS DIFERENÇAS

Também participante do evento, o Sheikh Mohamad Al Bukai, da comunidade islâmica de São Paulo, recordou que entre os princípios do Al Corão – o livro sagrado do Islamismo – estão o de que Deus é o Senhor dos mundos, que todos os seres humanos são irmãos e que a diversidade humana é da vontade divina. Assim, quem em nome do Islã pratica atos de violência religiosa está em desacordo com essa religião. “Não existe um conflito sagrado, nenhuma guerra pode ser ‘santa’, porque Deus sempre quer que a paz seja espalhada em nossa vida”, enfatizou.

O Pastor luterano Marcos Ebeling ressaltou que a laicidade do Estado brasileiro traz a garantia da multiplicidade religiosa no País, mas que este direito é colocado em risco quando governos e igrejas se unem na busca de definir se os valores predominantes na sociedade devem ser mais conservadores ou progressistas. Ele lamentou que haja igrejas protestantes que alicercem suas ações apenas no fundamentalismo da interpretação das Sagradas Escrituras e comentou que às religiões sempre cabe o papel de agir e propor a tolerância perante as diferenças, a reconciliação e a busca permanente da paz.

A Yalorixá Mãe Carmem de Oxum, liderança do Candomblé, lamentou que ainda hoje aqueles que participam das religiões de matriz africana são alvos de preconceitos sutis ou ostensivos, como as agressões físicas e destruição das casas religiosas. “A religião de matriz africana tem seu livre arbítrio e apenas queremos ser respeitados como qualquer ser humano, pois há vezes em que passo na rua vestida com a minha indumentária própria e as pessoas desviam, passam de lado ou trocam de calçada. Ame o seu irmão como ele é e não como você quer que ele seja”, afirmou.

No Brasil, a liberdade de crença e de culto é garantida pela Constituição nos artigos 5º e 19. No relatório da ACN, o País não está entre aqueles com violações significativas à liberdade religiosa, porém há ocorrências: em 2021, foram relatados 583 ataques à liberdade religiosa e houve mil queixas de ataques com alguma motivação religiosa.

“A violação à liberdade religiosa não acontece como mágica. Não é que acordaremos um dia e descobriremos que hoje as igrejas estão fechadas ou que ao fazer o sinal da cruz, você poderá levar uma pedrada, ou que seu filho, na escola, será obrigado a assistir a uma aula completamente contrária à crença dele. Portanto, não é algo que acontece de repente, mas, sim, uma sucessão de pequenos atos que passam a ser tolerados, desprezados ou tornados como algo sem significância, e que vão se acumulando até um ponto em que as pessoas não mais decidem recorrer à Justiça, não mais procurar seus direitos, pois acham que ‘não vai dar em nada’. Essa descrença não podemos deixar que aconteça. Somos chamados a usar este relatório, que busca ser uma ferramenta, e que está nas mãos de todos nós, homens e mulheres de fé”, motivou Ana Manente, presidente da ACN Brasil, no encerramento do evento em São Paulo.