'Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho'

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Publicação da Mitra Arquidiocesana de São Paulo

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13/07/2024 - 08:00

Não levar nada para o caminho não significa não ter nada. Na realidade, significa ter tudo. São Paulo nos diz em uma de suas cartas: “Tudo é vosso! Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.” (1Cor 3,22-23). Ter Deus significa ter tudo, porque tudo é Dele. Mas também significa ter nada, porque nada pode nos assegurar o que precisamos para viver. Onde quer que estejamos haveremos de encontrar o que precisamos. O que podemos levar é o que é necessário para caminhar. Porque o que carregamos para o amanhã nos pesa hoje e pode nos atrapalhar a caminhada.

O envio que Jesus faz aos discípulos os prepara para a liberdade e para a simplicidade. Porque, na verdade, o que mais nos atrapalha é a nossa mentalidade de que quando temos todas as condições fazemos um trabalho melhor. Infelizmente, temos de admitir que, quando temos os melhores recursos, não damos o melhor de nós. E o que temos de melhor reside dentro de nós. Isso nada tem a ver com viver de maneira inconsequente, mas significa viver abertos à providência de Deus e à cooperação das pessoas que encontramos pelo caminho.

É da própria vida que tiramos o que precisamos para viver. É preciso, portanto, acreditar nos dons que Deus nos dá todos os dias. É por isso que Jesus nos ensinou a pedir o pão de cada dia e não de uma semana ou de um mês. Isso vale também para a oração. Peço hoje o pão de hoje. Amanhã pedirei o pão do hoje que terá chegado. É assim que vamos aprendendo a viver de verdade a vida e deixamos de passar a vida nos preparando para viver algum dia no futuro.

Lembro-me de uma pessoa que conheci, um pai de família. Mostrava-me sua casa, que era muito grande e bem acabada. Fiquei admirado com a obra e mais ainda com a história de sua construção. Ele disse que fez o projeto quando era ainda recém-casado, mas como não tinha recursos para fazer a obra de uma só vez, foi fazendo aos poucos. Trabalhara pessoalmente na construção e também fizera muitas horas extras no emprego para ter dinheiro para continuar o empreendimento. Demorou muito tempo, mas tinha conseguido. Com paciência e muito trabalho tinha realizado o sonho de ter uma casa grande, confortável, com um quarto para cada filho. Então, fiz-lhe um elogio e parabenizei-o por ter conseguido executar aquele projeto tão bonito e com tantas dificuldades. Mas, ele me respondeu assim: “Foi muito bom! Mas, agora que terminei a casa, meus filhos já se casaram há muito tempo e se mudaram. Ficamos apenas eu e minha esposa. E ela está sempre reclamando porque a casa é muito grande para cuidar”. Solidariamente, fiquei triste junto com ele. Se soubesse que isso aconteceria teria trabalhado menos e não teria feito dessa casa o seu grande projeto. Parecia útil quando pensou, mas a vida mostrou que aquilo que parecia tão útil quando começou o caminho acabou mostrando-se um peso para a continuação da caminhada.

É por isso que vale a pena não levar nada para o caminho. Talvez tenha sido essa inspiração do poeta espanhol, Antonio Machado, nos versos de “Proverbios y cantares” (XXIX)” em “Campos de Castilla” (1912): “Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar. Ao andar se faz caminho e ao voltar a vista atrás se vê a senda que nunca se há de voltar a pisar. Caminhante não há caminho senão marcas no mar...”

Dom Rogério Augusto das Neves

Bispo Auxiliar de São Paulo

Publicado no folheto litúrgico Povo de Deus em São Paulo, em 14 de julho de 2024