O Velho e o Mar

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29/09/2016 - 14:30

Hemingway conta que um velho pescador, chamado Santiago, saiu para pescar quando estava há 84 dias sem apanhar nada. Mesmo assim, continuava a sua rotina diária.Era uma rotina dura. Ia sozinho, não levava comida no seu barco: apenas uma garrafa de água. Mas era um homem competente: todo esse tempo sem fisgar nada não se devia à sua imperícia; fazia as coisas direito e mantinha as linhas em ordem, como deve ser, na vertical, enquanto outros pescadores deixavam as linhas de qualquer jeito: “Mas eu as mantinha sempre na mesma profundidade.

Acontece que acabou a minha sorte. Mas, quem sabe? Talvez hoje! Seria bom ter sorte, mas prefiro fazer as coisas bem. Então, se a sorte me sorrir, eu estou preparado.” Aqui já aprendemos algo: fazer as coisas sempre bem, mesmo quando os resultados demorem para aparecer. Ele não desiste, não se desculpa, não cai na tentação de largar tudo; bastava cortar a corda.

Essa é a tentação que pode nos sobrevir: de desistir. De repente, sente um forte puxão na linha. Percebe que se trata de um peixe muito grande, porque puxa a barca. Começa a batalha entre o velho e o peixe. Passa a linha pelas costas e a segura com as duas mãos, firma-se bem no barco e aguenta, à espera de que o peixe se canse e suba à superfície. Mas o peixe era muito forte e passam horas sem nenhum sinal de cansaço.

Vem a noite e amanhece: o velho passa sem dormir. Sua mão começa a sangrar, câimbras nos braços... Como ele gostava muito de baseball, lembra-se de que perderia um jogo pela TV, se não voltasse para casa naquele dia. Era um motivo forte para cortar a linha e livrar-se daquele sofrimento. Mas, dizia para si mesmo: “Pense no peixe. Pense no que está fazendo. Você não pode se distrair nenhum minuto...

Talvez eu não devesse ter escolhido a vida de pescador... Mas foi para isso que eu nasci.” Nunca podemos pensar que o tempo dedicado ao estudo, ao trabalho, seja um tempo perdido, mesmo quando temos a sensação de que o trabalho e o esforço não nos brindam os resultados almejados, afinal, estamos forjando o caráter, educando a vontade, dilatando os horizontes, preparando-nos para assumir novos desafios na vida. Quantas vezes não nos acontece algo semelhante? Parece que não aguentamos mais, que vamos desmaiar, morrer...

Quando nos empenhamos em fazer as coisas bem, em ajudar os outros com a maior boa vontade e, ainda por cima reagem mal, surge a tentação de largar. Quando aparece o cansaço e a tentação de desistir, tal como o pescador, pensemos no peixe. Não podemos entregar os pontos. Devemos pensar: “eu nasci para isso, essa é minha vocação, não existe uma vida diferente para mim.”

Quantas vezes, por muito menos, nos enganamos: hoje estou cansado, não vou levantar, preciso de um pouco mais de sono. Aparece uma dor de cabeça, não vou à escola: a primeira aula é sem graça; a segunda, inútil; e da terceira, já sei a matéria... Está fazendo frio: não vou sair na rua com um tempo desses: posso pegar uma pneumonia... Ou está quente demais, posso desmaiar... Depois de dois dias e duas noites de luta, pelo movimento da corda, o velho sente a aproximação do peixe. Apoiandose na beira da canoa, solta todo o peso do corpo, desfere um golpe com o arpão e captura o peixe.

Um espadarte de cerca de 500 quilos. Foi sorte? Foi o acaso? Vamos aprender. Para atingir nossas metas, em primeiro lugar, ter linhas de rumo claras. Pense no peixe: no vestibular, no emprego, no concurso etc. Depois, combater as pequenas preguiças: Não adiar, não deixar para depois nossas tarefas, cumprir o horário de trabalho, de estudo etc. Mas o combate à preguiça não basta: para sermos constantes, devemos recomeçar depois das falhas.

Só o orgulhoso desiste depois da primeira queda. Reconhecer as derrotas, levantar a cabeça e continuar para a frente. E, finalmente, não devemos deixar de pedir ajuda a Deus. Vemos no Evangelho que os discípulos de Jesus – os apóstolos – eram muito inconstantes, mas depois, com a ajuda da graça de Deus e com a força do Espírito Santo, foram firmes até o fim. Morreram dando testemunho de Cristo. Admira-nos sua profunda transformação: antes eram covardes, inconstantes, suas promessas eram vazias. Depois, estão totalmente transformados. Assim também nós poderemos vencer.

Dom Carlos Lema Garcia  

Bispo auxiliar da Arquidiocese e vigário episcopal para a Educação e a Universidade

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO, edição 3121/ 28 de setembro a 4 de outubro de 2016