‘A Assembleia Eclesial trouxe a percepção de uma Igreja viva, encarnada e atuante em nosso continente’

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Dom Odilo concede entrevista ao O SÃO PAULO, sobre a a 1a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe
Publicado em: 01/12/2021 - 17:15
Créditos: Redação

Proposta pelo Papa Francisco para retomar as orientações da Conferência de Aparecida 2007 e olhar para os de- safios atuais da missão evangelizadora da Igreja no continente americano, a 1a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe foi concluída no domingo, 28 de novembro.

Como 1º Vice-Presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), o Cardeal Odilo Pedro Scherer participou presencialmente das atividades na Cidade do México. Nesta entre- vista, o Arcebispo de São Paulo fala sobre como foram os trabalhos deste evento que ele classifica como “uma experiência sinodal bonita, na linha daquilo que o Papa Francisco está propondo: uma Igreja sinodal, que caminha em comunhão, participação e missão”. Também explica de que maneira a Assembleia Eclesial está inserida no processo do Sínodo universal (2021-2023) e como será de grande valia para a realização da assembleia do sínodo arquidiocesano em 2022. Leia a íntegra a seguir.

O SÃO PAULO – Um dos grandes propósitos para a realização da 1ª Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe foi o de retomar os indicativos do Documento de Aparecida. Concluída a Assembleia, já é possível falar sobre o que avançou desde 2007 e o que ainda precisa ser efetivado?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – Muita coisa caminhou e muita coisa precisa ainda ser retomada. E é necessário observar também que nem tudo caminhou do mesmo modo, em todas as partes. Algumas propostas foram mais assumidas em algumas regiões do continente; outras, em outras partes. Sem dúvida, avançou a percepção de que precisamos ser uma Igreja que se renova na missão, que precisa voltar-se mais para o Reino de Deus e acolher o Evangelho de forma renovada. Avançou a compreensão de que precisa avançar um renovado encontro pessoal e comunitário com Deus, por meio de Jesus Cristo, mas isso nem sempre aconteceu na prática. Em alguns países, a missão continental foi abraçada bem, mas em outros, muito pouco. Precisa avançar mais a renovada formação cristã do povo católico, em especial, a formação do laicato. Percebe-se também que, de maneira geral, a vida pastoral não se renovou nem integrou a dimensão missionária. Ainda estamos muito fixados apenas na pastoral de conservação. A comunhão eclesial cresceu, sem dúvida, mas também apareceram novas questões que desafiam a comunhão eclesial. Temos, pois, motivos para voltar às diretrizes do Documento de Aparecida, como pede o Papa.

A partir do compartilhamento das vivências dos participantes da Assembleia Eclesial, o que ainda se apresenta como mais desafiador para a conversão pastoral missionária proposta pelo Documento de Aparecida à Igreja na América Latina e no Caribe?

As situações no continente apresentam uma enorme diversidade e não podemos falar da América Latina como se fosse uma única comunidade, povo ou país; isso seria uma abstração, que não corresponde à realidade. Há uma variedade muito grande, de norte a sul do continente, e a Igreja está encarnada e atua no meio dos povos, culturas e situações locais. Assim, em relação às orientações e apelos do Documento de Aparecida, em algumas regiões, falta assumir mais a dimensão missionária; em outras, falta aprofundar a “conversão pastoral e missionária”; em outras, é necessário expressar melhor a adesão a Jesus Cristo, mediante um renovado encontro pessoal com Ele, no Evangelho, na Igreja e nos pobres. Além disso, parece que, de maneira generalizada, a questão das vocações para os ministérios ordenados e a vida consagrada não foi assumida de maneira suficiente.

Um dos pedidos do Papa aos participantes da Assembleia Eclesial foi o de que se abrissem à ação criativa do Espírito Santo para pensar caminhos para a evangelização e ação pastoral da Igreja no continente. Como isso foi vivenciado ao longo dos dias?

A Assembleia refletiu sobre isso, ouviu testemunhos positivos sobre experiências e realidades que já vão acontecendo. Foi, sem dúvida, uma bela experiência de “escuta do Espírito Santo”. Mas acho que, após a Assembleia, esse apelo do Papa deverá ser retomado pelas Igrejas locais e, sobretudo, pelas dioceses e seus organismos. É ali que está a Igreja viva, feita de pessoas, e onde as questões tomam formas e rostos concretos.

Neste amplo processo de escuta que foi a Assembleia Eclesial, o que mais chamou a atenção do senhor sobre a realidade evangelizadora e missionária da Igreja no continente americano?

Acho que a Assembleia deixou mais clara a percepção sobre a Igreja, como “comunidade dos discípulos missionários de Jesus Cristo”, presente no meio dos povos de nosso continente, com enormes diferenças, mas unidos todos como comunidade de fé, esperança e amor, família de irmãos. Foi uma experiência sinodal bonita, na linha daquilo que o Papa Francisco está propondo: uma Igreja sinodal, que caminha em comunhão, participação e missão. A Assembleia trouxe a percepção de uma Igreja viva, encarnada e atuante em nosso continente, como mostram os desafios e as propostas pastorais elaborados pela Assembleia. Isso é sinal de grande esperança para toda a Igreja.

Um dos momentos da Assembleia foi a realização do painel “Da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe ao Sínodo sobre a sinodalidade”. De que modo a Assembleia Eclesial está inserida no processo do Sínodo universal?

A Assembleia foi convocada e preparada antes que fosse anunciada e convocada a próxima assembleia do Sínodo dos Bispos, de outubro de 2023. Agora, ficou evidente que o processo da Assembleia foi inserido estreitamente ao pro- cesso da assembleia sinodal. O método de preparação da Assembleia Eclesial e a própria realização dela vão oferecer muitos elementos para a assembleia do Sínodo. A Igreja do nosso continente vai oferecendo, mais uma vez, sua contribuição à universalidade da Igreja. Foi muito significativa a presença, na Assembleia, do Cardeal Mário Grech, Secretário-geral do Sínodo, e do Cardeal Jean-Paul Hollerich, Arcebispo de Luxemburgo, que será o Relator da próxima assembleia do Sínodo dos Bispos.

A partir das conclusões da Assembleia Eclesial, o que se fará de agora em diante? Está prevista a apresentação do que se falou nestes dias ao Papa Francisco?

O Papa receberá sem demora o relatório sobre a Assembleia Eclesial. O pós-Assembleia deverá acontecer, sobre- tudo, nas comunidades locais, dioceses e conferências episcopais. A Assembleia desencadeia um processo, que vai ser assumido e produzirá frutos nas comunidades locais. O Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) e seus organismos estará promovendo algumas iniciativas para ajudar as conferências episcopais nesta tarefa.

Da dinâmica utilizada para a realização da Assembleia Eclesial, algo poderá ser adotado para a assembleia do sínodo arquidiocesano em 2022?

Sem dúvida. A experiência da Assembleia Eclesial será útil para a realização da assembleia do nosso sínodo arquidiocesano. Deveremos retomar o processo de escuta e, sobretudo, de discernimento sobre o que o Espírito de Deus nos diz, a partir dos passos já realizados. Creio que o modo de fazer o discernimento e de elaborar as propostas sinodais possa se beneficiar muito da experiência vivida na Assembleia Eclesial.