Periferias: a nossa casa

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<p>Acompanhe o pensamento do fundador do Sermig.</p>
Publicado em: 11/07/2014 - 10:15
Créditos: Revista Mundo e Missão - Ano 21 nº183

Imagem: giovanigioia.orb

De Porta Palazzo, em Turim-Itália, a São Paulo-BR. Entre deficientes, encarcerados, zonas de guerra: Cinquenta anos do Sermig – Servizio Missionario Giovani (Serviço Missionário aos Jovens), centrado nos últimos

Alguns jovens com poucos recursos, mas com um grande sonho, quase uma ilusão: erradicar a fome no mundo. Foi em 1964, exatamente 50 anos atrás, e os jovens sonhadores eram os italianos Ernesto Olivero, sua esposa Maria (conheceram-se durante as Jornadas Mundiais Missionárias) e amigos que, em 24 de maio, em Turim, fundaram o Sermig – Servizio Missionario Giovani (Serviço Missionário aos Jovens). A raiz da era simples: dizer “sim” ao Evangelho na prática, todos os dias, sem desculpas. E assim tem sido nos últimos 50 anos. A consequência do “sim”, repetido durante anos, atrai gente dos quatro cantos do mundo.

Arsenais: da Paz, da Esperança, do Encontro
Primeiro surgiu o Arsenal da Paz, em 1983. Um velho arsenal militar foi “ocupado” pelos Jovens do Sermig e transformado em local de acolhida e diálogo, no bairro multiétnico Porta Palazzo. Desde então, é o coração da Fraternidade da Esperança, que tem centenas de membros – incluindo famílias e religiosos que trabalham, em tempo integral, para os pobres e para a formação dos jovens – e em torno do qual gravitam centenas de voluntários e o movimento internacional Jovens da Paz.

De periferia em periferia, em 1996, o Sermig desembarcou no Brasil, onde veio à luz o Arsenal da Esperança, que se abriu aos sem-teto de São Paulo. E, desde 2006, há o Arsenal do Encontro, em Madaba, na Jordânia, onde cristãos e muçulmanos, portadores de deficiência, encontram acolhida.

O Sermig já realizou 2.835 ações humanitárias em 90 países e 70 missões de paz em palcos de guerra, do Líbano a Moçambique, da Bósnia à Ruanda, além de iniciativas promotoras do diálogo no “quartel general” de Turim, um ponto de referência a quem procura um serviço ao ser humano, em nome do Evangelho, sem pedir nada em troca. Para o Sermig (que é mantido em geral por pessoas comuns), os jovens são sempre os protagonistas; “os mais pobres do nosso tempo”, confirma Olivero, ao falar sobre as periferias existenciais. As periferias escondidas em contextos miseráveis. Convém lembrar que a riqueza mundial está nos bolsos de 85 pessoas, enquanto quase novecentos milhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia.
Acompanhe o pensamento do fundador do Sermig, Ernesto Olivero:

Ernesto, quais eram as pobrezas mais urgentes que vocês encontraram há 50 anos?
O sermig nasceu em uma época de contestações e sonhos. O nosso era o de eliminar a fome no mundo. Quando se sonha, o sonho, ou se torna realidade, ou a ele se renuncia na partida. No nosso, acreditávamos totalmente. Eu havia rezado o “Pai-Nosso” milhares de vezes, mas, um dia, fiquei bloqueado nas suas duas palavras iniciais. Entendi que deveria me propor e aos meus amigos essa revolução: “Todas as vezes que falarmos de Deus, como um Pai cheio de Amor pelos seus filhos, devemos nos olhar no rosto, sem medo de sermos desmentidos por quem está pior que nós”.

A nossa vida muda quando nos deixamos interpelar por 100 mil pessoas que a cada dia morrem de fome: como se uma cidade como Turim desaparecesse em dez dias. Começamos daí, mas o caminho se alargou logo para a pobreza: projetos de desenvolvimento em cada esquina do mundo e em realidades distantes da nossa casa. Nós conhecemos o sofrimento dos prisioneiros, o drama da droga, da Aids, da solidão, o desconforto, a imigração. Hoje, o Arsenal da Paz continua a caminhar e o nosso mestre é o sino, as situações que batem à nossa porta.

Quais são as emergências de hoje?
São iguais às de sempre, mas sempre novas. O Arsenal é um lugar privilegiado para entender os dramas das crises. Muitos desempregados procuram um abrigo para passar a noite. No centro dos nossos pensamentos estão os jovens. Digo sempre que , hoje, eles são os mais pobres entre os pobres, porque a ninguém interessa os jovens.


Como ligar o trabalho pela acolhida e a luta contra a pobreza?
São faces da mesma moeda. É comover-se, descer da montaria, como fez o samaritano do Evangelho, socorrer os feridos do caminho. A paz não é pacífica , não se reduz a uma marcha, a manifestações públicas. É dar de comer a quem tem fome, acolher o estrangeiro, o prisioneiro, é visitar o doente e amar o outro como um irmão. A paz é a concretude disso e nasce somente de obras de justiça.

É possível, em meio a dificuldades, relançar novas formas de solidariedade, partilha e abertura?
Sim! É nos momentos mais difíceis que a esperança ressurge. Somente a luz acaba com a escuridão. A vida nos Arsenais da Esperança depende da ajuda de milhares de pessoas: 93% do nosso orçamento vêm de pessoas comuns. Este rio de bens jamais foi interrompido, nem mesmo nos últimos anos. Com a crise, fizemos uma campanha para pedir, alguns dos nossos, o dom de um dia de trabalho. Você é empreendedor? Doe o seu empreendimento. Está desempregado? Doe um hora de seu tempo, um serviço, uma capacidade. Não é uma questão de dinheiro, mas de responsabilidade e de coração.


Quanto a fé conta na experiência do Sermig? E de que modo ela dialoga com a sociedade civil leiga?
Nunca escondemos o nosso modo de ser e o nosso desejo de sermos simplesmente cristãos. Mas, sempre quisemos dialogar com todos. Como disse uma vez a Norberto Bobbio, não nos agrada dividir o mundo em crentes e não crentes. Em pessoas de boa vontade e as que não a têm. A medida é assumir as dificuldades dos outros. Não ficarmos fechados, encontrarmo-nos. A bondade desarma corações, mentes, ideologias. O Arsenal se tornou um mosteiro metropolitano, onde se vive a presença de Deus no serviço, no encontro com todos para diminuir os problemas da cidade e do mundo. Este estilo nos faz encontrar as pessoas de hoje sem ver sua origem social, religiosa ou cultural. É esta a nossa riqueza. Em cada encontro, aprendemos algumas coisas, experimentamos a novidade. Aprendemos com a bíblia, que ensina: “Se vires alguém sensato, madruga junto dele, e que teu pé gaste os degraus da sua porta” (Eclo 6, 36). É o que procuramos fazer todos os dias.