Gaúcha de Dois Irmãos, Ir. Míria Therezinha Kolling, religiosa da Congregação do Imaculado Coração de Maria, é pedagoga, musicista e compositora. Há mais de quatro décadas seus cantos ajudam as comunidades católicas a rezarem e celebrarem o mistério de Cristo.
Em 2015, Ir. Míria celebra os 45 anos de vida dedicados ao canto litúrgico, marcados pela gravação da Missa da Amizade em 1970.
Desde cedo, Míria aprendeu a cultivar o amor pela música, mas foi o Concilio Vaticano II a grande motivação para a composição, com a renovação litúrgica. Por dois anos estudou música sacra na Alemanha e na Áustria, com bolsa da Adveniat.
Com mais de 700 cantos e cerca de 40 gravações entre LPs e CDs, Ir. Míria é uma das principais compositoras de canto litúrgico do Brasil. Além de compor e cantar, Ir. Míria Kolling percorre o Brasil ministrando cursos e encontros de Liturgia e Canto Pastoral.
“Deus me fala através do canto, como ele me fala através da Palavra”, lembra Ir. Míria. “O Canto não é enfeite, simples adorno, mas sim parte integrante da liturgia”. E recorda: “Sou apenas instrumento. Deus é o divino artista, o músico divino, que se serve de nós para se revelar”.
Com mais de 50 anos de vida religiosa, Ir Míria diz estar “cada dia mais feliz e realizada”. A música litúrgica a levou a conhecer mais de 20 países, e a cantar nos EUA, Canadá, Japão, Portugal, Moçambique, entre outros.
Premiada em 2009 e 2012 com o Troféu Louvemos ao Senhor, Ir Míria segue cantando, compondo e ministrando encontros.
Para celebrar os 45 anos de caminhada musical, a Região Episcopal Belém preparou uma entrevista exclusiva com Ir. Míria Kolling, em que fala um pouco sobre sua vocação musical e o canto litúrgico.
Nestes 45 anos de vida dedicados ao canto litúrgico, o que mais a marcou?
Bem, em primeiro lugar, o dom da música, recebido de Deus. É um dom maravilhoso, muito especial, divino mesmo, que comecei a cultivar na família e tive a possibilidade de desenvolver estudando música. Colocá-lo a serviço da liturgia, do louvor de Deus, foi ainda mais maravilhoso. Isso me emociona, saber e sentir como acontece a inspiração. Poder usar a música para o louvor de Deus, na nossa Igreja, na Liturgia, ajudando também as comunidades a celebrar cantando, é motivo de profunda alegria e gratidão.
Nestes 45 anos, quais as principais mudanças e transformações que vivenciou no campo litúrgico?
Foi uma graça ímpar a renovação do Concílio Vaticano II, um verdadeiro Pentecostes acontecido na Igreja. E começou pela liturgia e o canto litúrgico. Lembro que aconteciam os encontros, as semanas de liturgia, com um repertório novo, cantando na nossa língua, um entusiasmo e vigor jamais vistos... Foi um grande impulso à vida litúrgica, ao canto renovado, levando a uma participação ativa do povo nas celebrações. Começamos a entender o canto como parte integrante da liturgia, a assembleia tendo a primazia, todo um povo celebrante!
Qual o principal desafio de nossas comunidades hoje?
São as Missas-shows, onde só uma pessoa ou um pequeno grupo canta, sem a participação da assembleia; também a escolha dos cantos adequados, que devem estar a serviço da Palavra, levando em conta o momento celebrativo, o tempo litúrgico, enfim, o Mistério Pascal de Jesus Cristo que celebramos. Para a liturgia não pode ser escolhido um canto qualquer, pois ele é ritual, funcional, tem uma razão de estar ali: ajudar a expressar e mergulhar no Mistério da fé; ainda a questão dos instrumentos, sempre bem-vindos, mas muitas vezes colocados acima das vozes, abafando o canto da comunidade. O importante é a voz que canta, porque portadora da Palavra, do texto bíblico e litúrgico. O instrumento não pode abafar a voz do povo, mas tem que apoiar, embelezar, dar ritmo e harmonia ao canto. É a música em função do texto, de modo que eleve o coração a Deus, ajude a rezar, traga um pouco o céu para a terra, antecipando a liturgia celeste. Será que acontece isto hoje nas nossas liturgias, nos nossos grupos de canto?...
O que os animadores de canto necessitam para resgatar o contato íntimo do canto com a liturgia?
A orientação da Igreja é que os músicos - cantores, tocadores, instrumentistas, grupos de canto, enfim os ministros do canto – não se sintam funcionários, mas somos cristãos, participantes da comunidade, colocando os dons a serviço da mesma, para o louvor de Deus. É preciso ter vivência cristã, ser pessoa de oração, buscar formação litúrgica, servir com humildade e competência, e sobretudo ter paixão pelo Senhor, pela Igreja, pela liturgia. Enfim, conhecer, aprofundar, celebrar com consciência, saboreando o mistério de Cristo celebrado na liturgia e concretizado na prática da vida. Já dizia um padre da Igreja: “Querem saber o que cremos? Venham ouvir o que cantamos!”
Na liturgia existe música velha e ultrapassada?
Não, de modo algum. Porque Deus não se repete, sua Palavra é sempre nova, atual – Hoje não fecheis o vosso coração! Lembro o que dizia Santo Agostinho: “É melhor cantar um canto velho com um coração novo do que cantar um canto novo com um coração velho.”No coração novo, aberto, atento a Deus, cada palavra repercute sempre como única, irrepetível, no hoje da vida. O contrário também é verdadeiro... Com relação aos cantos, o segredo é dosar o antigo com o novo, o que já está na alma do povo – memória – e aprendizagem de cantos novos, mensagens atuais, sempre com o cuidado de evitar a rotina, o cantar por cantar, mas cantar no Espírito, como experiência de Deus. Sempre importante é levar em conta os tempos litúrgicos e cada momento celebrativo, na escolha dos cantos. O mesmo Santo Agostinho nos diz que “mais do que cantar louvores a Deus, seja o cantor, ele mesmo, um louvor vivo ao Senhor!”