Corpo e Alma

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18/11/2015 - 15:30

O que é o ser humano? É ele um composto de corpo e alma? Somente a alma é imagem de Deus, ou também o corpo participa dessa dignidade? A alma é criada diretamente por Deus? É ela imortal?

“A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. O homem, no seu ser total, foi, portanto, querido por Deus” (Catecismo da Igreja Católica, 362).

O termo “alma” na Bíblia significa principalmente a vida e a pessoa humana inteira. Pode significar também (e isso foi o significado que teve maior desenvolvimento na Tradição) o que é mais íntimo no homem, o seu princípio transcendente a este mundo, o seu princípio “espiritual”. Desse modo, pela sua alma, o homem é “mais especificamente” imagem de Deus, porque mediante o seu princípio espiritual, o homem pode conhecer Deus e entrar em comunhão de amor com Ele.

Mas isso não significa excluir o corpo da condição de “imagem”. Uma vez que o ser criado à imagem de Deus é o “ser humano”, o seu corpo não pode ser excluído dessa participação à dignidade da imagem. Além disso, sendo a alma a forma do corpo (cf. 365), o corpo é humano somente porque é animado por uma alma. Por sua vez, o ser “forma do corpo” é para a alma uma dimensão da sua própria natureza.

A distinção entre alma e corpo não destrói a unidade profunda e substancial do ser humano, que é uno exatamente enquanto alma e corpo. Prestemos atenção: não temos primeiramente uma alma e só depois um corpo que se unem e constituem o ser humano. Não se trata de duas naturezas unidas, mas de uma só natureza corpórea-espiritual. O homem, na sua necessária distinção das dimensões espiritual e corporal, é substancialmente uno.

A distinção entre alma e corpo se manifesta também no destino final: segundo a fé cristã, esse destino é a ressurreição, que inclui todo o homem.

Por isso, o desprezo do corpo é contrário à nossa fé. Crer em Deus criador significa afirmar a bondade de tudo o que foi criado, inclusive o mundo material e, consequentemente, o corpo. A relação da pessoa humana com Deus é algo imprescindível, e isso exige a intervenção direta de Deus na criação da alma. Enquanto transcende o mundo, enquanto chamado à comunhão com Deus, a origem do homem não pode estar somente nas causas intramundanas.

A imortalidade da alma é a garantia da continuidade e da identidade do sujeito humano entre a vida presente e a vida da ressurreição, fim último do homem.

Que diferença há entre “alma” e “espírito” (cf. 1Ts 5,23)? Essa distinção sublinha algo de muito profundo: o ser humano não tem sua finalidade em si mesmo; é chamado, desde a sua criação, a uma vocação divina (cf. GS 22). Vive, portanto, na ordem “sobrenatural”. Mas essa vocação não se realiza sem o dom do Espírito divino, que o transforma interiormente. Assim, a salvação humana não provém dos componentes antropológicos (mesmo que não se realize à margem deles), mas de Deus. A noção de “espírito” nos mostra essa relação essencial do homem com Deus; enquanto unido a Cristo e guiado pelo Espírito, o homem se faz “espírito” (cf. Rm 1,10; 1 Cor 6,17).

Dom Julio Endi Akamine
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Lapa;
nomeado arcebispo de Sorocaba (SP)

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3078 - 18 a 24 de novembro