Espiritualidade Pascal: o Domingo

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16/05/2014 - 00:00

“Em cada semana, no dia a que chamou domingo, a Igreja celebra a Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão” (Sacrosanctum Concilium, 102). Mas a cada domingo celebramos a Páscoa? Já não bastaria celebrá-la uma vez por ano e, assim, ficar livre nos outros domingos para sair da Cidade ou ir ao Shopping? Bem, que o domingo seja dia de repouso e de alegria, a Igreja não nega (mesmo que a sociedade a apresente o domingo cada vez mais como um dia qualquer de trabalho para muitos homens e mulheres), assim como não deixa de nos convocar para a celebração, reunidos em comunidade. Vejamos alguns textos que podem nos ajudar a meditar sobre esse assunto.

A cada celebração dominical, desde a Páscoa, a leitura do Evangelho nos tem proposto o Domingo como dia do encontro com o ressuscitado. Maria Madalena, “no primeiro dia da semana, foi ao túmulo de Jesus bem de madrugada, quando ainda estava escuro” (Jo 20,1 –Domingo de Páscoa). Os discípulos se reuniram “ao anoitecer desse dia, que era o primeiro da semana” e, depois, outra vez os encontramos reunidos no domingo e, dessa vez, “Tomé estava com eles” (Jo 20,19.26 – Segundo Domingo da Páscoa). São Lucas nos apresenta Jesus caminhando com os dois discípulos de Emaús, “nesse mesmo dia”, isto é, “no primeiro dia da semana” (24,1.13 – Terceiro Domingo da Páscoa). Assim, a partir desses evangelhos, podemos dizer que a experiência do encontro com Jesus ressuscitado que fizeram Maria Madalena, os Apóstolos e os discípulos que iam para Emaús aconteceu no domingo.

A Igreja, no Concílio Vaticano II, resgatou o Domingo como “principal dia de festa, [...] dia da alegria e dia do repouso” (SC 106). Esse é o dia no qual nos reunimos para fazer memória da Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus que em sua “grande misericórdia”, ao ressuscitar Jesus dentre os mortos, “nos fez renascer para uma esperança viva” (1Pd 1,3). E fazemos isso de modo particular pela celebração da eucaristia, pela qual anunciamos a morte do Senhor e proclamamos a sua ressurreição, até que ele venha (1Cor 11,26 – Oração Eucarística). Podemos, pois, com toda confiança proclamar que o Domingo, pela ressurreição de Jesus dentre os mortos, é o dia que o Senhor fez para nós, dia de exultação e de alegria.

Lembro um testemunho. Em tempo de perseguição, no ano 304, em Abitene, atual Turquia, 49 cristão foram pegos reunidos no domingo, enquanto celebravam a Eucaristia – o que lhes era proibido pelas leis do imperador Dioclesiano; ao serem interrogados no tribunal sobre tal desobediência, um deles, chamado Emérito, respondeu: “Sine dominico non possumus”, ou seja, nós não podemos viver sem nos reunirmos em assembleia no domingo para celebrar a Eucaristia. Faltar-nos-iam as forças para enfrentar as dificuldades quotidianas sem sucumbir. Depois de terríveis torturas, os 49 cristão foram mortos. Eis os mártires do domingo. Sobre esse assunto, meditemos a homilia de Bento XVI, em Bari, no dia 29 de maio de 2005.

Desse modo, a espiritualidade pascal inclui a vivência do Domingo: reunir-se para celebrar, alegrar-se no Senhor e repousar. É claro que esse ideal é, em nossos dias, uma profecia daquela liberdade que Deus oferece aos seus filhos e filhas. Como vivemos o Domingo? Deixemo-nos impulsionar pelos mártires de Abitene: sem o Domingo, o dia do Senhor, nós não podemos viver!

+ Edmar Peron,
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Belém