Misericordiosos como o Pai

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06/07/2016 - 15:30

O Ano Santo proposto pelo Papa Francisco avança, exalando o bálsamo da misericórdia do Pai, capaz de suscitar ternura e compaixão nos corações e nas relações, atitudes tão necessárias num momento da história com muitos sinais de indiferentismo e de violência.

É sempre oportuno realçar que o ser humano recebeu de Deus, seu criador, os dotes para ser misericordioso, compadecer-se diante dos infortúnios do semelhante e de situações de injustiça, como de servir ao próximo empregando os próprios bens, a exemplo do personagem do evangelista Lucas, denominado Bom Samaritano (Lc 10, 25-37).

No entanto, o contrário também é verdadeiro: uma pessoa pode assumir um estilo de vida ensimesmado, empenhada somente no alcance de seus objetivos, com a aridez dos desertos no coração e na consciência, indiferente e insensível, inclusive diante de um irmão ferido e no chão. O acento da cultura atual no individualismo, no ter e no consumir, dissemina essa postura.

Na modernidade é comum ver o indivíduo centrado na realização de seus desejos e intentos, em meio à diversidade líquida. Dentro dessa lógica, o outro é bem-vindo se contribuir na consecução de um projeto particular; mas se causa incômodo, desconforto ou reclama alguma renúncia, melhor seguir o caminho sem ele, como fizeram os dois da parábola citada acima. Essa lógica não favorece o desenvolvimento de uma sociedade solidária.

Com a proclamação deste Ano Santo, o amado Papa Francisco convida todas as pessoas a deterem-se diante da misericórdia de Deus, “que não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta” (MV, 6) no rosto de Jesus Cristo, seu Filho. “Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, as pessoas pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, são caracterizados pela misericórdia. Tudo n’Ele fala da misericórdia. N’Ele, nada há que seja desprovido de compaixão” (MV, 8). Na figura do Bom Samaritano que se curva diante daquele homem ferido, o qual antes o desprezava e maltratava, está o próprio Jesus, em sua doação generosa e gratuita, salvando a humanidade.

A misericórdia, como a resgata e propõe o Papa Francisco, renova os corações e as estruturas da sociedade, porque recoloca no centro das preocupações as pessoas, a proximidade, as relações cotidianas, as feridas abertas, situações deixadas à margem, o sofrer, isto é, o mundo vital e a eticidade. E faz ver que os anseios de transformação acalentados na sociedade com suas crises, passam necessariamente pelo agir misericordioso e atento às interpelações dos irmãos e irmãs, sobretudo dos mais necessitados.

O olhar humano, perpassado pela misericórdia, liberta a própria pessoa do fechamento estéreo em si mesmo, do distanciamento alienante da realidade e permite vislumbrar modos de cooperação para transformar as relações e estruturas da vida. O percurso desse caminho certamente liberta os corações da desesperança e do desencanto, geradores do sentimento de impotência, que imobiliza, destila amargor e torna o viver sombrio.

Que seja acolhido o apelo proveniente do lema deste Ano Santo, “Misericordiosos como o Pai”. Que se multipliquem gestos samaritanos de atenção e cuidado para com o próximo, que é irmão e irmã. Que avance a vivência de estruturas solidárias e fraternas para a edificação do Reino do Pai misericordioso.

Dom Luiz Carlos Dias

Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Belém

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - Ed. 3109/  06 a 12 de julho de 2016