Falta de planejamento dificulta integração de haitianos

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Paróquia Nossa Senhora da Paz acolhe Haitianos
Publicado em: 03/06/2015 - 12:00
Créditos: Edição nº 3053 do Jornal O SÃO PAULO – página 11

Foto: Nelson Antoine/Fotoarena/VEJA

 

O falatório é generalizado. Dispersos pelo pátio e estacionamento da Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Glicério, algumas dezenas de haitianos se aglomeram logo que vêem uma câmera fotográfica ou uma filmadora. A reação não é para ter 15 minutos de fama, mas para mostrar a indignação diante de uma imagem publicada em um jornal da grande imprensa na quarta-feira, 20 de maio.

A foto em questão mostra um jovem negro haitiano, nu, usando o mictório para fazer higiene pessoal nas instalações improvisadas da Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Glicérío, que abriga imigrantes.

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Pe. Paolo Parisi, coordenador da Missão Paz, mantida pelos missionários scalabrínianos, explicou que devido ao pouco espaço que possuem, diante da demanda sempre crescente, o ambiente mostrado na fotografia não é usado como mictório.

“A impressão da foto é que o mictório é utilizado para urinar e a pessoa estava tomando banho, mas foi feito um acordo entre os próprios haitianos para que aquele espaço não fosse usado para urinar e apenas para lavar roupas”.

Ana Paula Caffeu, assistente social da Missão Paz, se referiu à foto como “horrorosa e de mau gosto”.

A situação dos haitianos no Brasil

Atualmente, a Casa do Migrante, também ligada aos missionários scalabrinianos, acolhe cerca de 110 imigrantes, e a Paróquia Nossa Senhora da Paz, cerca de 170. Na sua maioria são haitianos que receberam o visto humanitário e legalmente entraram no País.

A grande questão é que ao dar o visto humanitário, o governo brasileiro não criou as condições favoráveis para que os imigrantes pudessem sobreviver no País. O Pe. Paolo destaca a importância que o Brasil teve ao conceder o visto humanitário, porém as autoridades brasileiras não pensaram nas consequências.

“Precisa planejar. Se fez uma boa ação ao abrir as portas, não percebeu que isso cria demandas de serviços de acolhida, cursos de português, mecanismos de integração. Quando se oferece vagas de trabalho, por exemplo, precisa-se de pessoas que falem francês. Tudo isso criou uma bola de neve, que encontrou o governo despreparado. Algumas coisas começaram a acontecer. Em 2014, surgiu em São Paulo um abrigo emergencial, mas a Igreja Católica já fazia isso desde 2010 em Manaus, Cuiabá, Rio de Janeiro...”, afirmou.

Além disso, a lei de imigração brasileira é ultrapassada e tem resquícios da ditadura militar. A falta de uma ação conjunta entre os países latino-americanos tem dado espaço para que “coiotes” entrem em ação, aliciem os imigrantes e criem rotas clandestinas para a entrada no País. “Todos os países envolvidos precisam conversar e estabelecer regras para esse assunto. As pessoas são assaltadas no caminho e chegam no Brasil sem nada, muito iludidas acreditando que aqui é uma coisa esplendorosa”, destaca a assistente social Ana Paula.

O papel da Igreja

A Igreja não é o poder público, ou seja, ela não deve ser o principal ator quando o assunto é criar mecanismos legais, gerenciar recursos financeiros e fazer ações que a ele compete, porém desde a chegada dos primeiros grupos de haitianos no Brasil, a Igreja Católica - em suas diversas frentes de trabalho - tem sido a principal articuladora e realizadora das ações de acolhida e encaminhamentos dos imigrantes que entram no País.

O Padre scalabriniano conta que sua congregação fez e faz tudo o que pode para acolher as centenas de milhares de imigrantes que chegam ao Brasil, porém o poder público em suas três instâncias – federal, estadual e municipal – devem se articular para tratar dessa questão. “A ação da Igreja quase que substituiu a ação do Estado. O Estado tem que se mexer mais, não pode delegar que a Igreja faça o que é papel do Estado fazer”, afirmou.

O trabalho e o resgate da dignidade

O haitiano Moise Jean, 37, mostra o crachá da empresa que o contratou. Há dois meses no Brasil, o pai de quatro filhos precisa mandar dinheiro para o Haiti, porém a empresa que o contratou para fazer serviços de pedreiro, após um mês de trabalho não pagou o que havia sido combinado. Moise, então, deixou a cidade de Parauapebas (PA), voltou para São Paulo, e agora aguarda no pátio da Igreja da Paz a oportunidade de trabalhar novamente.

Ana Paula, que também é responsável pelo eixo trabalho da Missão Paz, destaca que há uma triagem entre os empregadores. Uma palestra de duas horas em dois dias da semana para explicar o que é a Missão Paz, quem são os imigrantes e o que buscam no País. Só depois da participação do empresário nessa palestra e a assinatura dos termos de compromisso que assinará a carteira de trabalho do funcionário e agirá de forma ética, é que a contratação pode ser feita.

De acordo com ela, apenas um terço das empresas que procuram a Missão Paz acabam contratando. O problema se dá nas ruas ao entorno da Missão, pois muitas empresas que não são aprovadas para contratar, colocam “aliciadores” que acabam enganando os imigrantes.

Além disso, Ana Paula destaca que os trabalhadores imigrantes “são pessoas incríveis que trazem na bagagem uma formação técnica, uma qualificação acadêmica” e mesmo que o índice de formados tenha caído – até novembro de 2014 era 90% dos imigrantes que chegavam na cidade, atualmente esta em 75% –, o percentual ainda é elevado.