“Os dois modos de acolher Jesus”

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24/08/2016 - 13:00

O evangelho de Lucas (cf. Lc 10, 38-42) apresenta-nos dois modos de acolher Jesus. Dois modos distintos, mas que se relacionam e mutuamente se condicionam. O primeiro modo é acolhendo Jesus na sua Palavra, como Maria. Para nós, ela é modelo de discipulado, pois “sentou-se aos pés do Senhor, e escutava sua Palavra” (Lc 10, 39). Marta também acolheu Jesus, mas é um acolhimento exterior, ela estava tão empenhada em fazer as coisas para Cristo, que deixou de estar com o Mestre, de realmente dar-lhe atenção na escuta da Palavra.

Ora, é nisto, precisamente, que Maria é exemplo para nós: “sentou-se aos pés do Senhor”. Maria é atenta à pessoa de Jesus, e disponível para acolher sua Palavra. Aqui, cabe-nos perguntar: ‘neste mundo dispersivo e agitado, neste mundo da competição e do stress, tenho reservado tempo para acolher o Cristo que bate à minha porta? ’ Não tenhamos dúvida que grande parte da crise de fé e de entusiasmo de muitos cristãos decorre da falta desse acolhimento íntimo em relação ao Senhor, da incapacidade de hospedá-lo no nosso afeto pela escuta da Palavra, que se torna diálogo amigo e perseverante com Jesus. Talvez sirva para nós, ativos em excesso, a advertência de Jesus: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária” (Lc 10, 41). Qual? Que coisa é a única necessária? Estar aos pés do Senhor, abrindo-se a sua Palavra: “O homem não vive só de pão, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4). É esta a parte que Maria escolheu e que também, quando por nós escolhida, jamais nos será tirada, porque Deus cumpre o que promete. Aí está, digamos assim, o ‘segredo’ de um trabalho pastoral não apenas eficiente, mas eficaz.

Mas, há outro modo de acolher Jesus. Este modo também decorre da escuta da Palavra, porém mostra se ‘esta escuta é realmente eficaz’ em nossa vida. Trata-se de acolher os outros, de hospedálos no nosso coração e na nossa vida. Exemplo típico encontramos no Antigo Testamento: na hospitalidade de Abraão (cf. Gn 18, 1-10). Sem saber, ao acolher gratuitamente três peregrinos, Abraão estava acolhendo o próprio Deus. E, ao fazê-lo, ao esquecer-se de si para preocupar-se com os outros, tornou-se fecundo: “Onde está Sara, tua mulher? Voltarei, sem falta, no ano que vem, por esse tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho! ” (Gn 18, 9.10). A hospitalidade sincera é fonte de benção de Deus!

A parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37)) nos traz a inquietante pergunta: quem é o meu próximo? Esta pergunta perdura em nossos dias: quem são aqueles e aquelas que estão de pé, à minha porta esperando que eu os acolha no meu coração e na minha atenção? Somos tentados ao fechamento no nosso mundo e nas nossas preocupações! E, no entanto, através dessas pessoas, o Senhor bate à nossa porta, pede-nos hospedagem. E isso não é de hoje nem de ontem: desde Belém, que Ele está à porta; desde Belém, Jesus procura o nosso acolhimento! Desde Belém, “não havia lugar para ele na hospedaria” (Lc 2, 7).

Somente poderemos hospedar Jesus em plenitude quando estes dois modos se completam: hospedá-lo na escuta da Palavra e no silêncio da oração e hospedá-lo naqueles que vêm a nós pelos caminhos da vida. É muito conveniente para nossa vida o conselho do autor da Carta aos Hebreus: “O amor fraterno permaneça. Não vos esqueçais da hospitalidade, porque graças a ela alguns, sem saber, acolheram anjos” (Hb 13, 1ss). Mais que anjos: acolheram o próprio Deus, aquele que disse: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes! ” (Mt 25, 40).

Que o Senhor nos conceda a graça de sermos constantemente hospitaleiros, para que encontremos, por sua vez, hospedagem no seu divino coração.

 

Dom José Roberto Fortes Palau
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Região Episcopal Ipiranga