A oração do jovem Salomão

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11/08/2017 - 12:15

Recentemente, a liturgia da palavra dominical propôs um trecho de um dos livros dos Reis. Naqueles versículos, Deus toma a iniciativa de manifestar-se a Salomão no início de seu reinado. A prece sincera emanada do coração do jovem mandatário de Israel diante de seu Senhor foi fundamental para ele se tornar o rei sábio. Apreciá-la é oportuno, dada a grave crise ética que acomete muitos dos representantes e governantes do povo brasileiro. 

Na época, o rei de Israel era visto como intermediário entre Deus e seu povo, e deveria ajudá-lo a edificar-se em fidelidade à Palavra de Deus. O rei não poderia usar o cargo conforme sua conveniência, mas pautar sua conduta e governo pelo cumprimento das leis mosaicas. A exigência do cargo parece ter lançado Salomão numa crise, considerando-se incapaz de governar, como afirma em seu lamento (I Rs 3,7). 

Certamente, o jovem Salomão não deixava transparecer sua fraqueza e dúvidas pessoais perante aqueles que o circundavam, nem diante do povo de Israel. Ele se dirigiu a Gabaon com grande aparato para ofertar no altar desse lugar de sacrifícios a Deus, “mil holocaustos”. Essa tarefa demandava grande número de pessoas tanto na preparação como na execução das oferendas. Diante de tamanha demonstração de poderio, como alguém poderia imaginar que internamente o jovem rei estava tomado de insegurança? 

As ofertas no altar de Gabaon poderiam levar segurança a muitas consciências pelo sacrifício em busca do auxílio de Deus. Mas, também, suscitavam abertura em corações, pois o próprio gesto de sacrificar traduzia súplica emanada da contingência humana. Esta última atitude requer desprendimento de aparatos geradores de autossuficiência e falsa segurança. É quando o Rei dos reis (Sl 24,10), capaz de sondar os corações em suas profundezas (I Sm 16,7b), se manifesta ao ser humano com a proposta de um diálogo vivo, a partir do motivo real da oferenda. No caso do rei Salomão, o temor que o acometia.

Deus, então, toma a iniciativa de manifestar-se a Salomão por essa fenda interior, dizendo-lhe: “Pede o que te devo dar” (I Rs 3,5). Quando o jovem rei de Israel percebeu-se diante de seu Senhor, tranquilizou-se e seu coração transbordou sincero e confiante. Confidenciou que o filho de Davi temia sucedê-lo, não obstante a gratidão por fazê-lo (I Rs 3, 6-7). 

Na sua interioridade, também encontrou luz acerca do fundamental para o exercício de sua missão em Israel, “Dá a teu servo um coração cheio de julgamento para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal” (I Rs 3,9). Nessa oração, Salomão externa preocupação com seu povo, o qual deseja governar bem. Então, pede a Deus uma sabedoria prática para promover a justiça com seus julgamentos. O jovem rei fez uma opção pela eticidade. 

A ética mantém viva a alteridade, a importância entre as relações numa sociedade, suscita a sensibilidade para com as interpelações do outro e do que lhe é devido e justo por sua dignidade. Privilegiar a ética tornou esse jovem recém-empossado e tíbio no grande rei Salomão, enaltecido pela história pela sabedoria de suas decisões. 

No momento atual, a ética é sistematicamente maltratada em instâncias de governo deste País, causando tantos dissabores às trajetórias pessoais, familiares e às estruturas sociais. Por isso, a classe política recebe dura avaliação da população em geral e vai tentar driblar tal rejeição com artimanhas. Que a opção do jovem rei israelita apontando para a ética, ajude no discernimento de propostas enganosas que tentarão se apresentar revestidas de um novo verniz, mas que, na realidade, significarão mais do mesmo.

 

Dom Luiz Carlos Dias
Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Belém
​Artigo publicano no jornal O SÃO PAULO, dia 09/08/2017