Por uma nova e bem-vinda lei de migração

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Movimentos e grupos ligados aos imigrantes pedem a substituição do Estatuto do Estrangeiro, que é de 1980
Publicado em: 21/10/2016 - 18:00
Créditos: Nayá Fernandes / Jornal O SÃO PAULO
 
A migração tem sido um tema recorrente na mídia, em debates acadêmicos e manifestações populares. E é cada vez mais comum ouvir pessoas pelas ruas comentando que os estrangeiros vêm para o país “roubar o emprego” dos brasileiros ou que estão invadindo determinados espaços urbanos.
 
Pelo mundo todo, sobretudo na Europa, o tema da imigração tem ganhado tonalidades de denúncia e preocupação. Na mensagem para o Dia Mundial da Paz, publicada em 15 de dezembro de 2015, o Papa Francisco pediu que “com respeito aos imigrantes, a legislação sobre a imigração seja revisada, de forma que, enquanto respeita direitos e responsabilidades recíprocos, possa refletir uma prontidão para dar as boas-vindas aos imigrantes e facilitar sua integração”.
 
No Brasil, por sua vez, o Congresso está prestes a aprovar um marco legal para a migração – a Nova Lei de Migração – que revogará o atual Estatuto do Estrangeiro, substituirá a lógica da segurança nacional pela dos direitos humanos e irá simplificar a obtenção de documentos, permitindo que os estrangeiros se integrem mais rapidamente à sociedade. Trata-se do Projeto de Lei (PL) do Senado 288/2013, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei 2.516/2015, em regime de prioridade.
 
O PL é uma oportunidade de eliminar uma lei da época da ditadura militar e favorecer a entrada dos imigrantes no país. Ao mesmo tempo, possibilita que a migração seja vista de maneira positiva e não uma invasão, como tende a ser considerada. Além disso, questões como trabalho escravo, criminalização sem justa causa ou humilhações por problemas com documentação podem ser evitadas se houver uma lei mais atualizada e condizente com os novos fluxos e realidades migratórias.  
A mudança é urgente diante de dados como os do Ministério da Justiça reveladores de que o número de imigrantes que solicitam o visto de permanência no Brasil dobrou em quatro anos, chegando a 30 mil pedidos anuais – contra 15 mil em 2010. Segundo a agência da ONU para refugiados, também entre 2010 e 2014, o número de novos refugiados no país cresceu 1.255%. 
 
Propostas e perspectivas
Em São Paulo, a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e a Missão Paz são instituições que estão à frente das discussões e debatem com a sociedade para que o Projeto de Lei seja aprovado e signifique melhorias não só para a população diretamente afetada, os imigrantes, mas também para todos os cidadãos. Um dos principais objetivos é o de que esses novos projetos permitam, por um lado, combater qualquer tipo de xenofobia, intolerância e preconceito, e, por outro, favoreçam as trocas de conhecimento, a criatividade e o desenvolvimento no país. 
 
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Larissa Leite, coordenadora de proteção do Centro de Referência para Refugiados, mantido pela Cáritas, explicou que o Estatuto do Estrangeiro foi escrito antes de todos os princípios democráticos e de proteção dos direitos humanos serem enunciados. “Ele tem muitas incongruências e uma visão do estrangeiro como alguém que não é titular de direitos e o entende como uma pessoa que não é sujeito de direitos. O único momento em que o Estatuto fala em direitos é para dizer os direitos que o estrangeiro não tem. Por exemplo, o direito de expressão ou de manifestação”, afirmou.
 
“O Projeto de Lei traz a possibilidade de tudo isso ser superado e o texto que foi aprovado na comissão da Câmara dos Deputados contém muitas normas positivas, garantindo direitos, explicitando o princípio constitucional da igualdade. É um projeto que precisaria ser aprimorado e poderia avançar mais, tanto em procedimentos quanto em requisitos que vão garantir a proteção dos direitos dos migrantes, mas ele em si, pelo fato de superar o paradigma do Estatuto do Estrangeiro antigo, é bem-vindo”, continuou Larissa. 
 
O que vai mudar?
Mas, o que mudaria realmente? Como a nova lei pode afetar o trabalho da Cáritas, da Missão Paz e de outras instituições que atuam na acolhida dos imigrantes? “Por exemplo, são previstas mais hipóteses de visto e mais hipóteses de residência”, comentou Larissa. “Claro que os requisitos disso tudo devem ser tratados numa regulamentação que vai ser feita a posteriori. Há também a previsão do visto humanitário, que hoje é aplicado somente para os sírios e para os haitianos, a partir de decisões muito específicas no âmbito do governo. Então, quando a lei prevê uma hipótese de visto humanitário, isso já é um avanço que vai permitir que o Brasil continue olhando para essas grandes crises humanitárias e possa garantir que as pessoas façam viagens em segurança e que não tenham que se submeter às travessias do Mediterrâneo para sair de um lugar onde suas vidas estão em risco.” 
 
Outra mudança seria a residência por razões humanitárias. “Hoje nós temos só a possibilidade do refúgio, que é uma proteção específica para a situação de perseguição e de conflito armado, ou as situações migratórias. Não existe uma previsão para outras circunstâncias humanitárias que podem não ser o refúgio. O Projeto de Lei prevê a possibilidade de regularização migratória no território nacional, o que pode fazer com que as pessoas usem ferramentas jurídicas mais adequadas às situações delas”, argumentou Larissa (veja mais mudanças no box ao lado). 
 
E, outro aspecto fundamental a ser considerado, conforme opinou Fabiana Galera Severo, defensora pública federal, é que “com a redação atual do Projeto de Lei, estamos prestes a perder a grande oportunidade de dissociar, no Brasil, a autoridade migratória – que deveria ser uma autoridade cível – da autoridade policial, já que a proposta conta com previsão expressa no artigo 38 de que o controle migratório continua sendo realizado pela Polícia Federal, revelando resquícios de uma abordagem criminal das questões migratórias em detrimento da primazia da proteção de direitos humanos”. Fabiana tem atuação na área de direitos humanos, tutela coletiva e migrações da Defensoria Pública da União em São Paulo e o trecho acima faz parte de um artigo publicado no site www.conjur.com.br.
 
Como participar?
• Fazer contato com o deputado para o qual você votou ou com os deputados que conhece;
• Envolver-se e participar das petições (há uma petição eletrônica que se destina exatamente aos deputados federais para que possam aprovar uma lei de migração que supere todos os aspectos ruins do Estatuto do Estrangeiro – o link para assinar a petição é www.change.org/p/assine-para-dar-um-basta-na-discriminacao).
 
Reportagem publicada no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3124 - De 19 a 25 de outubro de 2016