Sínodo: Documento que prepara a assembleia descreve a ‘Igreja sinodal’, reafirma a unidade e lança perguntas

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O encontro “sincero e cordial entre irmãos e irmãs na fé é fonte de alegria; é encontrar o Senhor que está no meio de nós”
Publicado em: 21/06/2023 - 14:15
Créditos: Redação

O encontro “sincero e cordial entre irmãos e irmãs na fé é fonte de alegria; é encontrar o Senhor que está no meio de nós”, afirma o “Instrumento de Trabalho” (Instrumentum Laboris) do atual Sínodo sobre a Sinodalidade, publicado na terça-feira, 20.
 

O documento é um roteiro para a primeira assembleia geral, a ser realizada em outubro deste ano, no Vaticano. A segunda será no mesmo mês de 2024.

A grande proposta do Sínodo, diz o texto, é a ideia de que as igrejas locais, inclusive pequenas comunidades, paróquias, congregações, devem participar dos grandes processos da Igreja.

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O Instrumentum é um amplo resumo das questões discutidas no processo sinodal até aqui, passando pelas consultas locais – em que todos os fiéis batizados foram convidados a participar de alguma forma –, nacionais até as continentais, que juntas constituíram a primeira fase do Sínodo.

Agora, com o Instrumentum Laboris, entra-se na segunda fase. O texto se apresenta como uma articulação “das prioridades emersas da escuta ao povo de Deus”. A primeira fase do Sínodo, iniciada em 2021, fez emergir “a consciência da necessidade de assumir como ponto de referência privilegiado a Igreja local, como lugar teológico em que, em concreto, os batizados fazem experiência de caminhar juntos”.

CARACTERÍSTICAS DA IGREJA SINODAL

Fotos: Vatican Media

O documento insiste que “o protagonista do Sínodo é o Espírito Santo” – palavras do Papa Francisco – e, portanto, se trata de um processo aberto. Segundo o Cardeal Mario Grech, tirar conclusões antes de realizar o Sínodo seria como “blasfemar o Espírito”.

O Sínodo passa, necessariamente, pelo encontro entre pessoas diferentes, pela busca e construção da unidade, e pela escuta dos outros e do Espírito, sinaliza o Instrumentum Laboris.

“Uma Igreja sinodal se funda sobre o reconhecimento da dignidade comum derivante do Batismo, que torna aqueles que o recebem filhos e filhas de Deus, membros de sua família e, portanto, irmãos e irmãs em Cristo, habitantes do único Espírito e convidados a cumprir uma missão comum”, diz o texto.

A Igreja sinodal não é uma Igreja feita apenas de novas estruturas e procedimentos, ainda que esse aspecto seja importante, mas uma Igreja que reconhece “comunhão e missão” como o centro de sua vida eclesial. É uma Igreja de “encontro e diálogo” internamente, mas também com o resto do mundo e com as pessoas de outras tradições religiosas.

“Uma Igreja sinodal promove a passagem do ‘eu’ para o ‘nós’, porque constitui um espaço dentro do qual ressoa o chamado a ser membros de um corpo que valoriza as diversidades, mas é feito de um único Espírito”, complementa o documento.

TENSÕES SÃO PARTE DO PROCESSO

O Instrumentum Laboris do Sínodo não nega que as tensões possam existir em processos de encontro, debate e diálogo dentro da Igreja, já que as diferenças culturais, geracionais e ideológicas podem vir à tona em tais ocasiões. Ainda assim, a Igreja sinodal, diz o texto, “é aberta, acolhedora e abraça todos”. Além disso, ela não tem medo de buscar “uma compreensão profunda da relação entre amor e verdade”.

A Igreja sinodal “acolhe as diferenças”, afirma o Padre Giacomo Costa, jesuíta italiano e coordenador da comissão preparatória da assembleia sinodal. A sinodalidade é apresentada como “caminho privilegiado” justamente para gerenciar bem as questões, porque “reconstitui a Igreja na unidade, cura as suas feridas e reconcilia a sua memória, acolhe as diferenças de que é portadora e a resgata de divisões infecundas”.

“A escuta autêntica e a habilidade de encontrar maneiras para continuar caminhando juntos, além da fragmentação e da polarização, é indispensável para a Igreja permanecer viva e vital, e para ser um sinal poderoso para as culturas do nosso tempo”, continua o Instrumentum. O desconforto e a incompletude, e compreendidos e bem administrados, podem ser fruto para coisas novas – se afirma no documento.

As conversas espirituais ou “Conversas no Espírito” são apresentadas com um método importante. São encontros difundidos na Igreja especialmente na tradição espiritual de Santo Inácio de Loyola, em que a necessidade de se tomar decisões concretas, ações, leva a reuniões e conversas estruturadas, mas sempre feitas na presença de Deus, por meio da invocação do Espírito Santo, em oração.

PERGUNTAS ABERTAS

Como se trata de um processo ainda em andamento, o Instrumentum Laboris não é considerado um documento do magistério da Igreja nem um documento da Santa Sé. É, como o nome diz, um instrumento de trabalho, um roteiro que vai guiar os próximos passos do Sínodo. Nesse sentido, lança uma série de perguntas que surgiram nas consultas de forma transversal, e que serão discutidas na assembleia.

Entre elas, estão muitas questões, como: recuperar e manter a credibilidade das instituições da Igreja, considerando as falhas de pessoas e membros da Igreja ao longo dos anos; promover a unidade com outras igrejas cristãs, especialmente no Oriente; dar mais voz e autonomia aos fiéis leigos, especialmente às mulheres, valorizando sua “dignidade batismal” inclusive em funções comunitárias, pastorais e administrativas, em espírito de corresponsabilidade; incluir aqueles que se sentem fora da Igreja, seja por opiniões que os colocam à margem das decisões, seja por questões raciais ou étnicas, seja por viverem um estilo de vida não alinhado à doutrina da Igreja; chegar às pessoas que vivem nas periferias, materiais e existenciais, entre elas os pobres e as pessoas com deficiência; atrair e estimular os jovens, inclusive nos ambientes digitais; realizar liturgias que sejam profundas, contemplativas e repletas de significado; construir comunidades vibrantes e unidas; promover e fortalecer as famílias.

São muitas questões, talvez até demais, mas o Sínodo as reúne e as coloca ao aberto, prontas para serem abordadas em um contexto de conversas espirituais.

“A experiência da fase de consulta mostra como a conversa no Espírito abre ‘espaços’ nos quais enfrentar juntos também temáticas controversas, sobre as quais na sociedade e na Igreja, é mais frequente o conflito, pessoal ou por meio das redes sociais, do que o confronto”, disse o Padre Giacomo Costa, na apresentação do documento.