Na Mongólia, Papa anima o ‘pequeno rebanho’ à evangelização e à caridade cristã

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Viagem do Papa para encontrar-se com a pequena comunidade católica na Mongólia, entre os dias 1º e 4, confirma a universalidade da Igreja
Publicado em: 06/09/2023 - 13:45
Créditos: Redação

Para os que se acostumaram a ver o Papa Francisco falar às multidões, seja na Praça São Pedro, no Vaticano, seja nas viagens apostólicas internacionais, as imagens de ruas pouco movimentadas em meio à passagem do Pontífice, entre os dias 1º e 4, e os locais das missas e encontros com alguns lugares vazios, em Ulan Bator, capital da Mongólia, podem ter causado certo estranhamento.

No país em que 53% da população é budista e 39% das pessoas são ateias, a visita do Pontífice reafirmou a universalidade da Igreja e sua proximidade aos cerca de 1,5 mil católicos (0,04% da população).

UMA IGREJA JOVEM, PEQUENA E PERSEVERANTE

Por sete décadas, entre 1921 e o fim dos anos 1980, a prática do Cristianismo foi cerceada na Mongólia, que embora não tenha pertencido ao território da União Soviética, sempre manteve alinhamento geopolítico, comercial e ideológico com os soviéticos.

Somente nos anos 1990, com a retomada da democracia, a Igreja pôde enviar missionários ao país. Em 1995, eram apenas 14 batizados católicos mongóis. Atualmente, lá estão dez congregações religiosas e os católicos estão distribuídos em oito paróquias, uma capela, sendo assistidos por 25 sacerdotes, seis seminaristas e um bispo: o italiano Dom Giorgio Marengo, 49, missionário da Consolata, que recebeu a ordenação episcopal em 2020 e em agosto de 2022 foi feito Cardeal pelo Papa Francisco.

Em entrevista ao Vatican News, Dom Giorgio Marengo disse que a história recente da Igreja na Mongólia pode ser dividida em três fases. A primeira, de 1992 a 2002 – quando a missão foi elevada por São João Paulo II a vicariato apostólico); depois, com o nascimento e o enraizamento das primeiras comunidades cristãs; e a terceira, simbolizada pela ordenação do primeiro sacerdote mongol, o Padre Joseph Enkhee-Baatar, em 2016. Dom Giorgio comentou que os principais desafios da Igreja local são ajudar os fiéis a aprofundar a fé, promover a comunhão e a fraternidade entre os missionários e proclamar corajosamente o Evangelho à sociedade mongol.

No encontro que teve com os ministros ordenados, religiosos consagrados e leigos católicos na Catedral dos Santos Pedro e Paulo, na tarde do sábado, 2, o Papa lembrou que “gastar a vida pelo Evangelho é uma bela definição da vocação missionária do cristão”, pediu que os católicos locais sejam perseverantes no anúncio do Evangelho, “encarnando-o na vida e ‘sussurrando-o’ ao coração dos indivíduos e das culturas”, e enfatizou que a Igreja cresce não por proselitismo, mas pelo testemunho de cada católico.

Durante este encontro, a agente de pastoral Rufina Chamingerel disse que o atual estágio da Igreja no país pode ser comparado “àquela fase típica de crianças que fazem constantemente perguntas aos pais… Somos sortudos. Não temos muitos livros de catequese em nossa língua, mas temos muitos missionários que são livros vivos”. Ela também lembrou que a partir do Sínodo sobre a sinodalidade, “os nossos fiéis, especialmente os agentes de pastorais, puderam compreender melhor a verdadeira natureza da Igreja e tiveram uma visão mais completa das nossas paróquias”.

Na mesma ocasião, o Papa lembrou que o fato de a pequena comunidade cristã já ter um Cardeal, é uma expressão concreta de que está unida à Igreja universal: “Todos vocês, distantes apenas fisicamente, estão muito próximo do coração de Pedro; e a Igreja inteira está próxima de vocês”.

A EXEMPLO DA VIRGEM MARIA

O Santo Padre também exortou os católicos mongóis a terem como referência o testemunho da Virgem Maria.

“Deus ama a pequenez e gosta de realizar grandes coisas mediante a pequenez, como testemunha Maria. Irmãos, irmãs, não tenham medo dos números exíguos, dos sucessos que tardam, da relevância que não se avista. Não é este o caminho de Deus. Olhemos para Maria, que, na sua pequenez, é maior do que o céu, pois hospedou em si Aquele que nem os céus nem os céus dos céus podem conter”, disse.

O Pontífice fez ainda menção a uma imagem mariana que foi encontrada no lixo por uma senhora, mãe de 11 filhos, e desde dezembro de 2022 é venerada na Catedral de Ulan Bator: “Sem mácula, imune do pecado, [a Virgem Maria] quis chegar tão perto a ponto de ser confundida com os desperdícios da sociedade, para que, da imundície do lixo, emergisse a pureza da Santa Mãe de Deus”.

Na missa que presidiu na tarde do domingo, 3, no ginásio Steppe Arena, O Pontífice enfatizou que só Deus é capaz de oferecer o verdadeiro amor que sacia a humanidade, e lembra que, para o cristão só há um caminho: abraçar a cruz de Cristo, independentemente das circunstâncias de vida em que esteja.

Francisco recordou que a vinda de Jesus, “abriu-nos um caminho no deserto” e que o Mestre jamais deixará que falte aos cristãos “a água da sua Palavra, especialmente por meio dos pregadores e missionários que, ungidos pelo Espírito Santo, a semeiam em toda a sua beleza. E a Palavra sempre nos remete para o essencial da fé: deixar-se amar por Deus para fazer da nossa vida uma oferta de amor, porque só o amor sacia verdadeiramente a nossa sede”.

OBRAS DE MISERICÓRDIA

Não passou despercebido do Papa o firme testemunho de fé da pequena comunidade católica mongol, expresso especialmente nas obras missionárias nos campos social, educacional e de saúde.

Já em seu primeiro discurso na Mongólia, na sexta-feira, dia 1º, Francisco disse se alegrar pelo fato de que “a comunidade católica, apesar de pequena e modesta, participa com entusiasmo e empenho no caminho do crescimento do país, difundindo a cultura da solidariedade, do respeito por todos e do diálogo inter-religioso, também trabalhando pela justiça, a paz e a harmonia social”.

No dia seguinte, ao falar aos sacerdotes, consagrados e leigos, pediu que continuem a realizar as obras sociocaritativas, mas advertiu que o empenho pastoral pode se tornar uma estéril prestação de serviços, se for esquecida a adoração ao Senhor.

Em seu último compromisso público, na segunda-feira, 4, ao inaugurar a Casa da Misericórdia – um espaço destinado a acolher pessoas em situação de vulnerabilidade, como migrantes e aqueles que vivem nas ruas, Francisco enfatizou que “onde há acolhimento, hospitalidade e abertura ao outro, respira-se o bom odor de Cristo”, e que a Igreja Católica não busca com tais iniciativas fazer proselitismo, uma vez que “os cristãos identificam a pessoa necessitada e fazem todo o possível por aliviar as suas tribulações, porque nela veem Jesus, o Filho de Deus, e Nele a dignidade de cada pessoa, chamada a ser filho ou filha de Deus”.

Os gestos, exortações e mensagens do Papa Francisco encorajam a comunidade católica local a difundir o Evangelho, conforme assegurou o Cardeal Marengo, ao fim da missa do domingo, 3: “Agora que experimentamos em primeira mão o quanto este povo de Deus na Mongólia é querido pelo senhor, queremos acolher o convite para sermos testemunhas alegres e corajosas do Evangelho nesta terra abençoada. O senhor continua a nos apoiar com palavras e exemplos; nós, agora, não poderemos fazer nada além de lembrar e colocar em prática o que vimos e ouvimos nestes dias”.

FRANCISCO AOS LÍDERES RELIGIOSOS: ‘CONFIRMAR NOS FATOS OS ENSINAMENTOS QUE PROFESSAMOS’

Um dos momentos centrais da visita do Pontífice à Mongólia ocorreu na manhã do domingo, 3. No Teatro Hun, ele participou de um encontro ecumênico e inter-religioso com representantes do Xamanismo, Xintoísmo, Budismo, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo e outras confissões.

O Pontífice recordou que embora seja recente a retomada das relações diplomáticas da Mongólia com a Santa Sé, já em 1246 houve o primeiro contato do Frei Giovanni di Pian del Carpine, enviado do Papa Inocêncio IV, com o Grã-Khan.

Francisco ressaltou que cada religião deve “oferecer aquilo que é e o que crê, no respeito pela consciência alheia e visando ao maior bem de todos”. Disse, ainda, que os líderes religiosos têm a responsabilidade de “confirmar nos fatos os ensinamentos que professam; não podem contradizê-los, tornando-se motivo de escândalo. Nenhuma confusão, portanto, entre credo e violência, entre sacralidade e imposição, entre percurso religioso e sectarismo”, pediu.

“Quero confirmar-vos que a Igreja Católica deseja caminhar assim, crendo firmemente no diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural”, sublinhou.

O Papa lembrou que as religiões devem oferecer ao mundo “a harmonia que o progresso técnico, por si só, não pode dar” e apontou que o próprio fato de estarem reunidos naquele momento já transmitia uma mensagem: “As tradições religiosas, na sua originalidade e diversidade, constituem um formidável potencial de bem ao serviço da sociedade. Se quem possui a responsabilidade das nações escolhesse o caminho do encontro e do diálogo com os outros, contribuiria de forma decisiva para acabar com os conflitos que continuam a causar sofrimento a tantos povos”. 

A BUSCA DA PAZ E DA LIBERDADE PARA VIVER A FÉ

Localizada no centro do continente asiático, a Mongólia faz fronteira com a Rússia e a China. Alguns dos discursos do Papa, embora não direcionados diretamente aos líderes dessas nações, fizeram lembrar os esforços da Santa Sé nas tratativas com estas duas nações.

Quanto à Rússia, o Pontífice já enviou representantes para dialogar com o governo de Moscou, bem como com o da Ucrânia, para que cesse a guerra entre esses países.

No discurso de boas-vindas, por exemplo, ao enaltecer o fato de a Mongólia se apresentar ao mundo sem armas nucleares, o Pontífice declarou: “Queira os céus que neste planeta devastado por demasiados conflitos, voltem-se a criar hoje, no respeito das leis internacionais, as condições daquela a que foi outrora a paz mongólica, ou seja, a ausência de conflitos”, afirmou, desejando que as nuvens escuras da guerra sejam varridas pela firme vontade de uma fraternidade universal, “na qual as tensões se resolvam com base no encontro e no diálogo, e a todos sejam garantidos os direitos fundamentais”.

Na mesma ocasião, o Papa disse ser “estupendo que a Mongólia seja um símbolo de liberdade religiosa”. No dia seguinte, recordou que quando Jesus enviou seus discípulos em missão, não lhes pediu para difundirem um pensamento político, mas para testemunhar com a vida a novidade da relação com o Pai. “É por isso que os governos e as instituições seculares nada têm a temer da ação evangelizadora da Igreja, porque esta não tem uma agenda política a concretizar, mas conhece só a força humilde da graça de Deus e de uma Palavra de misericórdia e verdade, capaz de promover o bem de todos”, comentou.

Em outubro de 2022, a Santa Sé e a China prorrogaram um acordo provisório, firmado em setembro de 2018, pelo qual o governo chinês aceita os bispos nomeados pelo Papa. Também há tratativas para que avance a livre manifestação da fé cristã naquele país.

Na coletiva de imprensa no retorno a Roma, Francisco disse que as relações com a China são muito respeitosas. “Acredito que devemos avançar no aspecto religioso para nos entendermos melhor e para que os cidadãos chineses não pensem que a Igreja não aceita sua cultura e os seus valores e que a Igreja depende de uma outra potência estrangeira”, observou.

No encerramento da missa do domingo, 3, o Pontífice dirigiu, de improviso, uma mensagem aos católicos da China, pedindo que sejam “bons cristãos e bons cidadãos”. 

VALORIZAÇÃO DA DEMOCRACIA E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em muitos momentos da viagem apostólica à Mongólia, o Papa elogiou o fato de o país conseguir conciliar desenvolvimento econômico e respeito ao meio ambiente.

Na cerimônia de boas-vindas, o Pontífice destacou que para os cristãos, a Criação representa o fruto de benevolência de Deus, e que os mongóis contrastam os efeitos da degradação humana “com uma cultura feita de cuidado e previdência, que se reflete em políticas de ecologia responsável”.

Francisco enalteceu que o povo mongol esteja conseguindo preservar suas raízes, “abrindo-se especialmente nas últimas décadas aos grandes desafios globais do progresso e da democracia. De fato, com sua extensa rede de relações diplomáticas, a sua adesão ativa às Nações Unidas, o seu empenho pelo direito humano e a paz, a Mongólia de hoje desempenha um papel significativo no coração do grande continente asiático e no cenário internacional”.

No mesmo discurso, o Papa alertou sobre o perigo do espírito consumista “que hoje, além de criar tantas injustiças, leva a um individualismo que ignora os outros e as boas tradições recebidas” e alertou para a proliferação do “verme da corrupção”.

Em entrevista ao Vatican News, Dambajav Choijiljav, abade-chefe do Mosteiro Zuun Khuree Dashichoiling, um dos maiores templos budistas em Ulan Bator, avaliou que a declaração do Papa sobre o combate à corrupção se alinha ao que pensam os budistas. “[A corrupção] é um mal que deve ser controlado e depois eliminado porque tem efeitos negativos para toda a sociedade”. E complementou: “A Mongólia se declara contra qualquer forma de conflito presente no mundo hoje, expressando assim a sua vocação a favor da paz”. 

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