Dom Odilo: 'Amoris laetitia' apresenta a boa nova do casamento e da família

A A
Direto da Assembleia da CNBB, arcebispo de São Paulo fala sobre Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Papa Francisco, lançada nesta sexta-feira, 8
Publicado em: 08/04/2016 - 15:15
Créditos: Redação

Por Fernando Geronazzo
Fotos: Alex Bastos e Rafael Alberto

Para o arcebispo de São Paulo, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, o Papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia, quis falar do matrimônio e da família não a partir das suas exigências e problemas, mas daquilo que é bom, que realmente leva ao casamento e à família: o amor, “a boa nova do casamento e da família”. A declaração foi feita na entrevista coletiva concedida durante a 54ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na manhã desta sexta-feira, 8, em Aparecida, poucas horas depois do lançamento do documento do Santo Padre a partir das reflexões do Sínodo dos Bispos sobre a família.

Dom Odilo, que participou das duas últimas assembleias sinodais de 2014 e 2015 sobre o tema, explicou aos jornalistas que o Sínodo dos Bispos não produz um documento próprio por ser um órgão consultivo convocado pelo Pontífice para ouvir propostas ideias e indicações e depois emitir sua palavra sobre o tema a partir das reflexões recolhidas nas assembleias. “O tema em pauta é a família nas suas questões contemporâneas, na complexidade para a missão da Igreja, para a nova evangelização, bem como a vocação e missão da família na Igreja e na sociedade”, afirmou o Cardeal, que acrescentou que esse conjunto de questões não aparecem imediatamente no título do documento, que justamente começa a partir daquilo que realmente o papa quer convidar a Igreja a refletir: “A alegria do amor é a causa família, é o motivo do casamento, daquilo que, afinal, se busca no casamento e faz crer que vale a penas lutar pela família”.

Baixe a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia
 

À luz da Palavra de Deus

A partir do índice da Exortação Apostólica, o Arcebispo apresentou as linhas gerais do conteúdo do novo documento. O primeiro capítulo destaca a Palavra de Deus que ilumina toda a reflexão, mostrando o enfoque a partir do qual se pretendeu abordar o tema da família. “Não é do enfoque sociológico, cultural apenas. Tudo isso pode entrar, mas o enfoque básico é da Palavra de Deus. À luz dessa Palavra nós falamos do casamento e da família”.

Matrimônio

No segundo capítulo, o Santo Padre fala da situação da família diante de situações desafiadoras por elas enfrentadas. Já no capítulo seguinte, apresenta-se avaliações da família a partir do projeto de Deus explicitados por Jesus. O Pontífice também reflete sobre o sacramento do matrimônio na história da salvação. “Fala-se da família como imagem, e como, de alguma forma, parábola ou metáfora do próprio relacionamento de Deus com a humanidade”, indicou Dom Odilo, ressaltando o aspecto “esponsal” da união de Deus com seu povo. “O Papa também fala daquilo que a Igreja ensina sobre a família, a doutrina da Igreja que vem se explicitando ao longo da história”, acrescentou.

Sobre o capítulo quarto, que aborda o amor no matrimônio, o Pontífice parte do “Hino à caridade”, do Apóstolo Paulo na carta aos Coríntios. “O Papa passa a apresentar as várias qualidades do amor no matrimônio”, diz o Cardeal, acrescentando que Francisco aponta, ainda a necessidade de fazer crescer esse o amor ao longo de toda a vida na “caridade conjugal”. O Papa também trata do amor esponsal no seu aspecto humano, que envolve a sexualidade e que, enfatiza o Arcebispo, “deve excluir aquilo que é contrário à beleza do amor”.

A fecundidade do amor conjugal é abordada no quinto capítulo da Exortação. “Uma das qualidades do casamento é a fecundidade, a transmissão da vida. E o papa se refere, nesse capítulo, ao amor que não se fecha sobre si mesmo e não está voltado apenas para o gozo recíproco, mas que se comunica a alguém mais, que é o filho”, afirmou Dom Odilo.

A Boa nova do amor

De acordo com a apresentação do Cardeal Scherer, o sexto capítulo da Exortação aborda as perspectivas pastorais sobre a família, a começar pelo “anúncio da boa nova do amor e da família no casamento e sua beleza”.  Neste aspecto, coloca-se todas as questões quanto à preparação para o matrimônio, retomando aquilo que é proposto na Exortação Apostólica Familiaris Consortio (1981), de São João Paulo II. Francisco também se dedica a falar do acompanhamento dos casais nos primeiros anos do casamento, sobretudo em suas crises, angústias, dificuldade e, os momentos derradeiros, quando a separação acontece, por exemplo, pela morte de um dos cônjuges.

Educação dos filhos

Sobre a educação dos filhos, o Santo Padre faz referência a elementos que considera importantes em relação a este aspecto. “O Papa começa perguntando onde estão os filhos. Eles estão com os pais, com as famílias?”, destacou Dom Odilo, referindo-se ao fato de as crianças atualmente serem tiradas muito cedo do convívio dos pais, quando enviadas para a escola cada vez menores.  A formação ética, a correção, educação par colocar limites, a paciência, o papel dos familiares, a educação sexual e a transmissão da fé dos filhos também são aspectos abordados na Exortação.

Discernir, acompanhar e integrar

O oitavo capítulo aborda o Papa classifica como “situações de fragilidade” das famílias. Dom Odilo explicou que as palavras chaves sobre esses pontos são “discernir, acompanhar e integrar”.

O Papa também coloca no texto um critério geral que apareceu tanto nas discussões do Sínodo, quanto em documentos anteriores. Trata-se da lei da gradualidade. “O ideal do casamento é um, que deve continuar a ser apresentado pela Igreja [...].  Porém, olhando para as pessoas, elas nem sempre estão em condições a abraçar imediatamente esse ideal por inteiro e vão aderindo gradualmente, passo a passo, e, às vezes, não chegam nunca a abraçar por completo”, explicou o Cardeal. “Em relação ao ideal do casamento e da família, havendo imperfeições, insuficiências e fragilidades, existem, porém, coisas boas, que devem ser valorizadas, integradas, colocadas na perspectiva do ideal”, continuou.

O Arcebispo reforçou que a lei da gradualidade não significa que a Igreja “dá descontos” na norma geral sobre o casamento e a família, “mas há uma compreensão da capacidade das pessoas de aderir penalmente a esse ideal e se essa adesão ainda não é plena, é importante valorizar o que já acontece de bom e verdadeiro na linha de alcançar o ideal”.

Ainda sobre as situações consideradas irregulares, Dom Odilo explicou que em relação aos casos de casamentos rompidos, segundas uniões que não podem ser regularizadas na Igreja, pessoas que se uniram somente no âmbito civil ou que possuem uma convivência sem vínculo formal, o Papa destaca que existem “circunstâncias atenuantes” que devem ser consideradas na compreensão dessas pessoas, ajudando-as a chegar, quando possível, ao ideal do casamento. Nesse aspecto, o texto aponta para a necessidade de se conhecer os motivos específicos que impedem o casal de consolidar a união sacramental. Há, por exemplo, casais que convivem maritalmente e ainda não se decidiram pelo casamento por motivos econômicos, culturais, ou até algum preconceito em relação ao casamento. “Por convenções e práticas sociais e comerciais, [o casamento] vai se tornando mais um luxo, ou seja, caro. A Igreja não pede nada disso. Mas a cultura, as pressões sociais do mercado fazem uma porção de ingerências ou exigências a quem vai casar”, disse.

O Santo Padre se detém longamente sobre a questão do discernimento. Dom Odilo atribuiu isso ao fato de Francisco ser jesuíta e esse aspecto estar muito presente nessa espiritualidade. Outro critério amplo do texto apontado pelo Cardeal é a “lógica da misericórdia”, segundo a qual “a Igreja não exclui ninguém” uma vez que Deus quer dar a todos a possibilidade de salvação, convidando-os a fazer o “caminho do discípulo” em direção à vida plena.

O nono e último capítulo é dedicado à espiritualidade conjugal e familiar com ênfase para a comunhão eclesial, eucarística e entre si. “A oração à luz da Páscoa, debaixo da cruz, na esperança, na certeza da vida, na superação da cruz”, indicou o Arcebispo, ressaltando também a “espiritualidade do amor exclusivo e libertador”, a partir da indissolubilidade e unidade do matrimônio. O Papa também fala de uma espiritualidade as “solicitude, consolação e estímulo”. “No casamento e na família, deve cessar o egoísmo. Um está para o outro e os dois estão para os filhos”, disse Dom Odilo.   

‘Moral não é uma questão de gabinete’

Sobre os temas que geram mais polêmicas, Dom Odilo afirmou que talvez algumas pessoas esperavam que o Papa apresentasse os fatos a partir da lógica do certo ou errado. “O Papa diz que não este o enfoque para falar das questões da família e do casamento. Não é simplesmente a partir de um peremptório ‘pode, não pode’”, diz, ressalvando que, por outro lado, a moral não fica prejudicada com isso.

Nesse sentido, sobre questões como a comunhão eucarística de pessoas divorciadas em segunda união, Dom Odilo salienta que o Papa Francisco delega ao discernimento e acompanhamento pastoral dos bispos e, com os bispos, dos sacerdotes, sobretudo contato pessoal como na Confissão ou direção espiritual levando em conta a particularidade de cada caso, em vista da gradualidade por ele explicada. “Não vejo muitas mudanças, nesse sentido, em relação àquilo que já estava presente na Familiaris Consortio. O que o Papa insiste aqui, e muito, é no acompanhamento pastoral e no discernimento dos pastores da Igreja quanto a essas situações”.

Francisco também recorda as inúmeras possibilidades de as pessoas em situações consideradas irregulares participarem na vida da Igreja e não se sentirem excluídas. “O Papa claramente diz que essas pessoas não estão excomungadas. A Igreja não fala em excomunhão nesses casos. Existem muitas formas de participação da comunhão na Igreja e na participação na vida missionária e pastoral”.

Outra questão que despertou curiosidade da opinião pública é quanto a união conjugal entre pessoas do mesmo sexo. “O papa claramente diz que casamento só existe entre um homem e uma mulher. Não existe casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.  Portanto, as pessoas que eventualmente escolheram esse caminho devem ser tratadas com respeito, mas isso não pode ser considerado  um casamento nem podem essas pessoas pretendem que isso deva ser reconhecido pela Igreja como casamento”, explicou Dom Odilo.  

“Moral não é uma questão de gabinete, mas algo que acontece na vida das pessoas, num diálogo interior da consciência. As normas existem, mas não devem ser aplicadas friamente como certo e errado. O Papa diz que a norma moral permanece. Porém é preciso confrontar as pessoas com essa norma e ajuda-las a confrontar-se com elas a partir de valores encerrados por essas normas”, afirmou o Cardeal, frisando que é preciso conhecer tais valores para que as normas não se tornem “oprimentes” e sem sentido para as pessoas.

Assista à integra da coletiva: