Cruz pessoal e cruz social

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07/07/2016 - 09:45

Na prática pastoral, muitas vezes, trabalhamos com extremos: ou dedicamo-nos inteiramente à cruz pessoal de determinado indivíduo necessitado de cuidados especiais - visitas, tempo de escuta, atenção à família, comunhão em casa, unção dos enfermos, e assim por diante - ou toda dedicação se volta para as condições socioeconômicas de uma determinada situação. Daí a insistência nos movimentos e organizações sociais.

Em certas paróquias ou comunidades, desenvolve-se uma dicotonia entre os dois pólos. As coisas podem chegar até a um estado de aberta oposição: uns dizem que o mais importante é a atenção à salvação da pessoa; outros, que o mais importante são os direitos humanos em geral. Os primeiros afirmam que por meio do indivíduo se pode chegar à sociedade; os segundos garantem que o cuidado com o bem-estar social acaba por atingir cada pessoa ou família em particular.

Como resolver semelhante dualismo infundado e infecundo? A primeira coisa é dar-se conta que toda a cruz pessoal, seja ela qual for e venha ela de onde vier, insere-se num contexto social e histórico do qual é impossível desconhecer as características e implicações. Isso quer dizer que tal situação social, econômica e política, conforme é levada em conta, contribui para agravar ou melhorar o sofrimento de todo e qualquer cidadão.

De outro lado, não podemos ignorar que as condições reais e concretas de vida, em toda sociedade, são em geral diretamente proporcionais ao nascimento, proliferação e desenvolvimento das cruzes de ordem pessoal ou familiar. O nível de vida de uma sociedade pode multiplicar ou diminuir as cruzes individuais, como também pode aliviar-lhes o peso e a duração. Oportunidades de trabalho, salário justo, moradia digna, direito à saúde, à escola e à segurança pública, entre outras, são coisas que estão diretamente relacionadas tanto à cruz social quanto pessoal.

Chegamos, assim, à fusão de ambas as dimensões do sofrimento humano. Uma e outra costumam ser, ao mesmo tempo, causa e feito de cruzes individuais e coletivas. Essas se entrelaçam de tal forma, que, em muitas ocasiões, se torna difícil distinguir uma da outra. Dito de outro modo: se por uma parte a dor pessoal sobrecarrega a dor social, por outra, a cruz socioeconômica faz aumentar o peso da cruz que se abate sobre qualquer indivíduo ou família.

Conclui-se que a solicitude sociopastoral deve ter em conta ambos os pólos da condição humana, revestida da espiritualidade centrada na cruz e ressurreição de Jesus - fermento e um bálsamo para todo tipo de cruz.

Fonte: Edição 3109 do Jornal O SÃO PAULO – página 05