Santo Antonio: Porta para o encontro com Deus

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17/06/2016 - 16:15

"Pauliceia desvairada" é o título de uma obra do poeta e escritor Mário de Andrade (1893-1945). Reúne uma antologia de contos que simultaneamente reflete e ilumina a passagem da capital paulista do universo rural para o universo urbano. Inicia sua trajetória marcante e irreversível para o cosmopolitismo da modernidade. A obra foi publicada em 1922, na Semana da Arte Moderna, constituindo uma referência na literatura brasileira.

A modesta Cidade da década de 1920, viria a se tornar a maior metrópole da América do Sul, mais do que nunca "desvairada" em seu corre-corre frenético, apressado e apelativo. Nessa gigantesca "selva de pedra" não são muitos os lugares de refúgio, de aconchego, de convívio familiar. Espaços que, nessa "multidão solitária" (David Riesman), poderão ser chamados ambientes de paz, de encontro e de pausa para o repouso. Não é sem razão que as grandes cidades de hoje são comparadas a verdadeiros desertos modernos ou pós-modernos.

Em meio aos imponentes blocos de concreto, ferro e vidro; em meio ao asfalto, aos viadutos e aos rumores estridentes; em meio ao rio de gente que se desloca em todas as direções, é possível, sim, descobrir um pequeno lar, um ponto de encontro e de descaso, um oásis em pleno deserto urbano. Refiro-me à Igreja de Santo Antonio, localizada no nº 49 da praça do Patriarca, incrustada entre a rua Direita, a sede da Prefeitura e o viaduto do Chá, no coração da colossal São Paulo.

Não se trata apenas de um ponto de encontro consigo mesmo para uma retomada das energias perdidas no ir e vir de ruas e praças. Muito mais do que isso, trata-se de um ouvido atento numa cidade que perdeu a capacidade de escutar, de um coração solidário num mar de edifícios sem coração e sem alma... Mas, sobretudo, trata-se de uma oportunidade para o encontro com a palavra viva da fé e da esperança, uma porta aberta para a reconciliação com Deus, nome de pai e coração de mãe, de forma particular neste ano do Jubileu da Misericórdia.

Constata-se isso todos os anos, no dia 13 de junho, em plena festa de Santo Antonio, patrono de tantos devotos. Centenas, milhares de fiéis buscam esse pequeno recanto para refazer as próprias forças, reencontrar o caminho, às vezes distorcido pelos embates da vida, dar-se conta que não estão sós nessa floresta sem fim de prédios e lojas de comércio. Mas, especialmente, para redescobrir que "Deus habita esta cidade" e, nessa certeza, buscar o pão abençoado, símbolo da infinita riqueza do Pai e esperança de fartura para a família nos dias vindouros.

Fonte: Edição 3105 do Jornal O SÃO PAULO – página 05