Justiça cega?

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09/12/2015 - 15:15

A representação antiga vislumbrava a justiça como uma senhora cega que, exatamente por não enxergar, no momento de decidir não estaria sujeita a certas susceptibilidades como a aparência dos requerentes, por exemplo. Então, ela não privilegiaria os ricos e nobres em detrimento dos pobres, mas se ateria ao princípio que justifica sua existência: justiça. Dali derivou a percepção de que todos são iguais perante a lei, um dos princípios que rege a democracia moderna.

A justiça paulista é célere em sentenças sobre reintegração de posse. São Paulo é um dos estados em que esse tipo de decisão é numericamente bastante significativa. Os juízes paulistas são favoráveis ao direito de propriedade e rápidos na indicação da decisão que termina o conflito ou deve terminá-lo. Há alguns dias, assistimos à aplicação do mesmo princípio na questão das ocupações das escolas públicas feitas por estudantes, que assim se manifestavam contra a proposta do governo do Estado de reformar o sistema educacional paulista. Logo em seguida, outro juiz, mais equilibrado, mandou suspender a decisão tentando, ainda, conciliação.

Independentemente do acerto das decisões, chama a atenção a rapidez da ação da Justiça. Que ela deva ser rápida, não há dúvidas a respeito. Muitas são as queixas contra a lentidão da Justiça que precisa, efetivamente, de tramitação e decisões rápidas para ser justiça.

Exatamente em vista disso, chama a atenção o fato noticiado recentemente pela imprensa de que há um ano o processo sobre o chamado "trensalão” em São Paulo está parado no Ministério Público Federal. A formação de cartel na compra de trens foi investigada pela Polícia Federal que apurou fatos ocorridos entre 1998 e 2008 em São Paulo e denunciou algumas pessoas por crimes de corrupção ativa e passiva. Mas o processo não andou e o promotor diz ainda aguardar documentos, segundo as informações.

A luta contra a corrupção tem sido um dos poucos pontos consensuais na cena brasileira neste ano. Todos são contra a corrupção, e as ações da Operação Lava Jato causaram impacto nesse sentido, sempre com a devida cobertura midiática. A formação de cartel nas operações da Petrobrás é bem grave, mas a formação de cartel na compra de trens em São Paulo parece ser de outra ordem. Não é demais lembrar que os partidos políticos envolvidos em um e outro caso são diferentes.

A questão é que os crimes prescrevem em 16 anos. Assim, as ações criminosas realizadas em 1998 e 1999 já prescreveram, as de 2000 prescrevem agora e assim sucessivamente. Talvez os documentos aguardados pelo procurador cheguem quando prescreverem os últimos atos investigados. A Justiça era cega para decidir com equidade. Aqui parece que ela é cega, porque não enxerga nada.

Fonte: Edição 3080 do Jornal O SÃO PAULO – página 05