Uma Igreja que não teme sujar as mãos

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05/09/2017 - 09:45

O convite a "preferir uma Igreja que não teme sujar as mãos lavando as roupas dos seus filhos, e não uma Igreja de “puros”, que pretende julgar" foi renovado pelo Papa no Angelus de 23 de julho. Comentando para os fiéis presentes na praça o evangelho dominical (Mateus 13, 24-43) o Pontífice falou em especial da parábola do grão bom e do joio.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

A página evangélica de hoje propõe três parábolas com as quais Jesus fala às multidões sobre o Reino de Deus. Analiso a primeira: a do grão bom e da erva daninha, que ilustra o problema do mal no mundo e ressalta a paciência de Deus (cf. Mt 13, 24-30.36-43). Quanta paciência tem Deus! Também cada um de nós pode dizer isto: “Quanta paciência tem Deus comigo!”. A narração situasse num campo com dois protagonistas opostos. Por um lado, o dono do campo que representa Deus e espalha a semente boa; por outro, o inimigo que representa Satanás e espalha a erva daninha. Com o passar do tempo, no meio do trigo cresce também o joio, e face a esta realidade o dono e os seus servos têm atitudes diferentes. Os servos queriam intervir arrancando o joio; mas o dono, que se preocupa sobretudo com a salvação do trigo, opõe-se dizendo: “Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele” (v. 29).

Com esta imagem, Jesus diz-nos que neste mundo o bem e o mal estão tão interligados, que é impossível separá-los e arrancar todo o mal. Só Deus pode fazer isto e fá-lo-á no juízo final. Com as suas ambiguidades e com o seu caráter multifacetado, a situação presente é o campo da liberdade, o campo da liberdade dos cristãos, no qual se cumpre o difícil exercício do discernimento entre o bem e o mal.

E, por conseguinte, trata-se de conjugar neste âmbito, com grande confiança em Deus e na sua providência, duas atitudes aparentemente contraditórias: a decisão e a paciência. A decisão consiste em querer ser grão bom — todos o queremos —, com todas as nossas forças, e portanto afastarmo-nos do maligno e das suas seduções. A paciência significa preferir uma Igreja que é fermento na massa, que não teme sujar as mãos lavando as roupas dos seus filhos, e não uma Igreja de “puros”, que pretende julgar antes do tempo quem está no Reino de Deus e quem não.

O Senhor, que é a Sabedoria encarnada, ajuda-nos hoje a compreender que o bem e o mal não se podem identificar com territórios definidos ou determinados grupos humanos: “Estes são os bons, este são os maus”. Ele diz-nos que a linha de fronteira entre o bem e o mal passa pelo coração de cada pessoa, passa pelo coração de cada um de nós, ou seja: somos todos pecadores. Sinto vontade de vos perguntar: “Quem não é pecador levante a mão”. Ninguém! Porque todos o somos, somos todos pecadores. Jesus Cristo, com a sua morte na cruz e a sua ressurreição, libertou-nos da escravidão do pecado e concedeu-nos a graça de caminhar rumo a uma nova vida; mas com o Batismo concedeu-nos também a Confissão, porque temos sempre necessidade de ser perdoados dos nossos pecados. Olhar sempre e unicamente para o mal que está fora de nós, significa não querer reconhecer o pecado que está também em nós.

E depois Jesus ensina-nos um modo diverso de olhar para o campo do mundo, de observar a realidade. Somos chamados a aprender os tempos de Deus — que não são os nossos tempos — e também o “olhar” de Deus: graças à influência benéfica de uma expectativa trepidante, aquilo que era joio ou parecia joio, pode tornar- se um produto bom. É a realidade da conversão. É a perspectiva da esperança!

Que a Virgem Maria nos ajude a colher na realidade que nos circunda não só a sujidade e o mal, mas também o que é bem e bom; a desmascarar a obra de Satanás, mas sobretudo a confiar na ação de Deus que fecunda a história.

Papa Francisco

Fonte: L’OSSERVATORE ROMANO, Ano XLVIII, número 30 (2.475), de 27 de julho de 2017, p. 12.