A coragem de perguntar o porquê

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09/06/2015 - 13:30

O Pontífice falou sobre o mistério do sofrimento das crianças e reiterou que o aborto nunca é uma solução

Não devemos ter receio de nos questionarmos acerca do mistério do sofrimento dos mais pequeninos e de perguntar ao Senhor: “Porquê?”. Disse o Papa na tarde de sexta-feira, 29 de Maio, ao encontrar-se na capela da Casa de Santa Marta com um grupo de vinte crianças gravemente doentes, acompanhadas pelos seus pais e por alguns voluntários e responsáveis da Unitalsi. As crianças, na maior parte de 7 a 14 anos de idade (algumas também de 2 ou 3 anos), participavam em peregrinações a Lourdes e a Loretto, em particular no “Treno della gioia”, que faz etapa no santuário mariano das Marcas.

O Pontífice aproximou-se afetuosamente de cada uma delas. Depois a pequena Mascia dirigiu-lhe algumas palavras, referindo-se em particular ao encontro análogo que teve lugar a 31 de Maio de 2013 também em Santa Marta. A menina recordou todos os que estiveram presentes naquela data, também os que já faleceram, e garantiu que todos rezaram muito pelo Papa, como ele lhes tinha pedido. Em seguida o pai de um menino doente, Andrea Maria, narrou o seu testemunho juntamente com a esposa, recordando as vicissitudes da gravidez difícil enfrentada e a sua decisão de recusar o conselho de abortar e de acolher o filho não obstante a grave enfermidade. O homem disse estar convicto de que “Deus os chamou a serem pais com uma vocação de amor maior. A de serem pais, não uma, mas duas vezes: por natureza humana e por terem sido escolhidos para acompanhar um filho especial, dom especial de Deus Pai”. Depois do discurso de Francisco, que publicamos a seguir, o encontro – que durou cerca de uma hora – concluiu-se com a recitação de uma Ave-Maria e com a bênção. No final o Papa dedicou alguns minutos a cada uma das crianças, aos pais e ao grupo de voluntários.

Boa tarde a todos. Sentai-vos, sentai-vos. Comecemos com uma oração ao Senhor [recitação do Pai-Nosso].

Quando, na catequese, nos ensinaram a Santíssima Trindade, disseram-nos que era um mistério: sim, há o Pai, o Filho, o Espírito Santo, mas que não se podia compreender tudo isto. É verdade, temos provas de que é verdade, mas compreendê-lo é outra coisa. Temos provas. Também aqui, se olharmos para Jesus, para a Eucaristia, naquele bocado de pão está Jesus, é verdade. Mas como? Não compreendemos como pode ser... mas é verdade, é Ele. É um mistério, digamos. E assim, se fizermos outras perguntas da catequese, não se podem explicar profundamente, mas temos provas.

Há também uma pergunta cuja explicação não se aprende nas catequeses. “Por que sofrem as crianças?”. É uma pergunta que faço muitas vezes também eu, muitos de vós e muitas pessoas: “Por que sofrem as crianças?”. E não há explicações. Também isto é um mistério. Olho para Deus e pergunto: “Mas porquê?”. E olhando para a Cruz: “Por que está ali o teu filho? Porquê?”. É o mistério da Cruz.

Muitas vezes penso em Nossa Senhora, quando lhe restituíram o corpo morto do seu Filho, todo ferido, cuspido, ensanguentado, sujo. E o que fez Nossa Senhora? “Levai-o embora?”. Não, abraçou-o, acariciou-o. Também Nossa Senhora não entendia. Porque ela, naquele momento, recordou o que o Anjo lhe tinha dito: “Ele será Rei, será grande, será profeta...”; e dentro de si, certamente, com aquele corpo tão ferido entre os braços, com tanto sofrimento antes de morrer, certamente dentro de si teve vontade de dizer ao Anjo: “Mentiroso! Eu fui enganada”. Também ela não tinha respostas.

Quando as crianças crescem, chegam a uma certa idade e compreendem bem como é o mundo, mais ou menos por volta dos dois anos. E começam a fazer perguntas: “Pai, porquê?”, Mãe, porquê? Porquê?”. E quando o pai ou a mãe começam a explicar, não ouvem. Têm outro “porquê?”. “E por que isto?”. Mas não querem ouvir a explicação. Com este “porquê?” chamam sobre si a atenção do pai ou da mãe. Nós podemos perguntar ao Senhor: “Mas Senhor, porquê? Por que sofrem as crianças? Por que esta criança?”. O Senhor não nos dirá palavras, mas sentiremos o seu o olhar sobre nós e isto nos dará força.

Não tenhais medo de perguntar, até de desafiar o Senhor. “Porquê?”. Talvez nunca tenhamos explicação alguma, mas o seu olhar de Pai dar-te-á força para ir em frente. E dar-te-á também aquela sensação estranha da qual falou este irmão na sua dupla experiência: um sentimento diverso, um sentimento estranho [o Papa refere-se ao testemunho que o pai de uma criança doente tinha acabado de apresentar]. E talvez este sentimento de ternura pelo teu filho doente seja a explicação, porque é o olhar do Pai. Não tenhais medo de perguntar a Deus: “Porquê?”, desafiá-lo: “Porquê?”, estai sempre com o coração aberto para receber o seu olhar de Pai. A única explicação que te poderá dar será: “Também o meu Filho sofreu”. Mas aquela é a explicação. O mais importante é o olhar. E a vossa força está ali: no olhar amoroso do Pai.

“Mas o senhor que é Bispo – podeis fazer a pergunta – que estudou tanta teologia, não tem mais nada a dizer-nos?”. Não. A Trindade, a Eucaristia, a graça de Deus, o sofrimento das crianças são um mistério. E só podemos entrar no mistério se o Pai olhar para nós com amor. Deveras eu não sei o que vos dizer porque sinto muita admiração pela vossa fortaleza, pela vossa coragem. Tu disseste que te aconselharam o aborto. Disseste: “Não, que nasça, tem direito a viver”. Nunca, nunca se resolve um problema eliminando uma pessoa. Nunca. Este é o regulamento dos mafiosos: “Há um problema, eliminemos este...”. Nunca.

Eu acompanho-vos tal como sou, como sinto. E deveras a minha não é uma compaixão momentânea, não. Acompanho-vos com o coração neste caminho, que é feito de coragem, que é um caminho de cruz, e também um percurso que me faz bem, o vosso exemplo faz-me bem. E agradeço-vos por serdes tão corajosos. Muitas vezes, na minha vida, fui cobarde, e o vosso exemplo fez-me bem, faz-me bem. Por que sofrem as crianças? É um mistério. É preciso chamar Deus como a criança chama o seu pai e diz: “Porquê? Porquê?”, atrair o olhar de Deus, a única coisa que nos dirá é: “Olha para o meu Filho, também Ele”. O fato de que num mundo no qual é normal viver a cultura do descartável, o que não está bem descarta-se, vós viveis esta situação assim, permito-me dizê-lo – mas não pretendo fazer uma lisonja, não, digo-o de coração – isto é heroicidade. Vós sois os pequenos heróis da vida. Eu senti muitas vezes a grande preocupação de pais e mães como vós e estou certo de que é a vossa: que [o meu filho] não fique sozinho na vida, que [a minha filha] não fique sozinha na vida. Talvez seja a única ocasião na qual os pais pedem ao Senhor que chame primeiro o filho, para que não fique sozinho na vida. E isto é amor.

Agradeço-vos o vosso exemplo. Não sei que mais dizer, deveras, porque estas coisas me comovem tanto. Também eu não tenho respostas. “Mas você é Papa, deve saber tudo!”. Não, sobre estas coisas não há respostas, há só o olhar do Pai. E depois, o que faço? Rezo por vós, por estas crianças, por aquele sentimento de alegria, de dor, tudo misturado, do qual o nosso irmão falou. E o Senhor sabe confortar esta dor de maneira especial. Que Ele dê a consolação justa a cada um de vós, aquela da qual precisais.

Obrigado pela visita, muito obrigado!

O Pe. Joannis [Mons. Gaid, um dos dois secretários particulares do Papa, que acompanhou o grupo], que é um pouco especial, vós conhecei-lo, deu-me uma sugestão, que vos contasse uma história. Talvez vos ajude a olhar para o Senhor. Havia uma criança que brincava. O pai olhava para ela da janela do terceiro andar e a criança queria deslocar uma pedra grande, mas não podia, era muito pesada. Depois a criança, inteligente, foi buscar um instrumento de ferro para a deslocar, mas não conseguia, chamou os seus amigos e queria deslocá-la com eles, mas não podiam porque era uma pedra pesada. E eles queriam deslocá-la para brincar ali naquele lugar e no fim o pai, que olhava da janela, desceu, e com muita força e com um apetrecho de ferro deslocou a pedra. E a criança reprovou o pai: “Mas pai, tu viste que eu não conseguia?” – “Sim” – “E por que não vieste antes?” – “Porque não me chamaste”.

Não vos esqueçais disto: chamai o Senhor. Ele saberá como vir, quando vir, e será esta a vossa consolação. Rezai também por mim. Obrigado.

Rezemos a Nossa Senhora: “Ave-Maria...”.

Fonte: Edição nº 23 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 03