Terra, moradia e trabalho são direitos sagrados e inalienáveis

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<p>Francisco incentivou os movimentos populares a lutarem por 3 direitos, terra,moradia e trabalho</p>
Publicado em: 06/11/2014 - 18:00
Créditos: Edição nº 3026 do Jornal O SÃO PAULO – página 04

No dia 28 de outubro, em um longo discurso aos participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares, no Vaticano, o Papa Francisco afirmou que esse evento foi um “grande sinal” de que os pobres não só padecem à injustiça, mas também lutam contra ela, não se contentam com promessas, nem ficam passivamente à espera de ajuda de ONGs e planos assistenciais que os anestesiam ou domesticam. Eles querem ser protagonistas e estudam, trabalham, reivindicam e praticam a solidariedade.

Para Francisco, a “solidariedade ‘palavrão’ se não leva a pensar e agir em comunidade, prioriza a vida de todos”, e leva a lutar pelas causas dos pobres, e contra a desigualdade, o desemprego, a falta de terra e de moradia; leva a enfrentar o domínio do dinheiro, as migrações, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas as realidades a serem transformadas. “A solidariedade faz história via movimentos sociais”.

Francisco incentivou os movimentos populares a lutarem por três direitos, para ele, “sagrados e inalienáveis”: Terra, moradia e trabalho. E afirmar isso não é ser comunista porque se trata de pura Doutrina Social da Igreja.

O Papa denunciou a desapropriação da terra, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos “que arrancam física, existencial e espiritualmente o homem de sua terra natal”, a ponto de a comunidade rural estar em decadência e em risco de extinção. A fome, resultado da especulação financeira, é criminosa, porque o alimento é um direito inalienável.

“Uma casa para cada família”, proclamou o Papa em relação ao direito à moradia. “Família e moradia andam de mãos dadas”. E o teto tem uma dimensão comunitária expressa no bairro, onde se começa a construir a grande família da humanidade, a partir da convivência com os vizinhos.

Ele denuncia as grandes cidades que oferecem prazer a poucos e excluem as “pessoas em situação de rua”, um eufemismo que, como tantos outros, esconde um crime. E cita os valores dos bairros populares, onde se destaca a cultura popular e onde há espaços que favorecem a integração e o relacionamento entre as pessoas.

E o trabalho? “Não existe pior pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e o priva da dignidade do trabalho”. O desemprego, o trabalho informal, à falta de direitos trabalhistas, são frutos de “um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem e da humanidade”. O Papa somou a tudo isso a injustiça social que transforma os excluídos em “resíduos sobrantes”. Descartam-se crianças pelo controle da natalidade e falta de alimentação, jovens pelo desemprego e idosos porque não produzem.

O Papa elogiou e agradeceu a resistência dos trabalhadores que respondem ao desemprego com o artesanato, com o trabalho comunitário, com a economia popular, com a solidariedade. E proclamou que “todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma remuneração digna, à segurança social e a uma cobertura de aposentadoria”.

A interferência do homem na natureza em busca do lucro, e que provoca catástrofes naturais que ferem principalmente os mais pobres, também é parte das preocupações do Papa. Ele apoia os que entendem ser preciso mudar o sistema. Urge “voltar a levar a dignidade humana para o centro, e sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”. Para isso, “é preciso coragem, inteligência e tenacidade, paixão”, mas sem fanatismo, sem violência.

Como guia de ação, Francisco propõe as bem-aventuranças evangélicas (Mateus, 25). Para ele, no encontro que reuniu uma diversidade de pessoas, religiões, culturas, praticou-se a “cultura do encontro”, que é o contrário da xenofobia, da discriminação e da intolerância. “Precisamos caminhar juntos”, diz ele, apoiando o desejo de se revitalizarem as democracias, com o protagonismo das grandes maiorias, que vai além da democracia formal. Um mundo de paz supõe a superação do assistencialismo paternalista, a criação de novas formas de participação, que incluam os movimentos populares, e a incorporação dos excluídos na construção do destino comum.

Francisco concluiu pedindo a todos que dissessem juntos: “nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.

Padre Cido Pereira